quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Maternidade precoce: enfrentando o desafio da gravidez na adolescência

O Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) divulgou hoje, 30 de outubro, o relatório "Situação da População Mundial 2013 - Maternidade precoce: enfrentando o desafio da gravidez na adolescência". Acesse todo o documento aqui. O lançamento ocorreu em mais de 150 países, mobilizando agências de informação, organismos internacionais, governamentais e da sociedade civil.

O relatório destaca os principais desafios da gravidez adolescente e seus graves impactos sobre as meninas em termos de educação, saúde e oportunidades de emprego de longo prazo. Também mostra o que pode ser feito para frear esta tendência e proteger os direitos humanos e bem-estar das adolescentes.
"A gravidez na adolescência é simultaneamente uma causa e uma consequência de violações de direitos. A gravidez mina a capacidade de uma adolescente de exercer seus direitos à educação, saúde e autonomia. Por outro lado, quando ela é impedida de desfrutar de direitos básicos, também é mais vulnerável a engravidar. Para cerca de 200 adolescentes por dia, a gravidez precoce resulta na mais definitiva violação de direitos: a morte."
Morte materna - 90% das quais poderiam ser evitadas com a aplicação do conhecimento médico hoje disponível - resultado de agravos clínicos da gravidez, parto ou abortamento. 
Para o movimento feminista, as mortes maternas representam a mais grave violação dos direitos humanos das mulheres. Isso porque elas resultam da ineficiência dos governos em executar as políticas públicas que garantem os direitos reprodutivos daquelas que engravidam. E vale lembrar que, atualmente, mais de 50% das gravidezes do país não foram planejadas.


Gravidez na adolescência no Brasil - acesse aqui o resumo

No Brasil, são os determinantes sociais da saúde que elevam os números para índices de saúde alarmantes, tal como é considerada a taxa de natalidade entre as adolescentes. São as meninas pobres, negras ou indígenas e com menor escolaridade as quais engravidam com maior frequência. 
  • 26,8% da população sexualmente ativa (15-64 anos) iniciou sua vida sexual antes dos 15 anos no Brasil
  • Cerca de 19,3% das crianças nascidas vivas em 2010 no Brasil são filhos e filhas de mulheres de 19 anos ou menos
  • Em 2010, 12% das adolescentes de 15 a 19 anos possuíam pelo menos um filho (em 2000, o índice para essa faixa etária era de 15%)  
Acesse aqui a matéria
E para completar, "Muitas gravidezes de adolescentes e jovens não foram planejadas e são indesejadas; inúmeros casos decorrem de abusos e violência sexual ou resultam de uniões conjugais precoces, geralmente com homens mais velhos. Ao engravidar, voluntaria ou involuntariamente, essas adolescentes têm seus projetos de vida alterados, o que pode contribuir para o abandono escolar e a perpetuação dos ciclos de pobreza, desigualdade e exclusão."

Nos últimos meses, por meio do Conselho Municipal de Direitos da Mulher de Londrina-PR, pudemos constatar a ineficiência das nossas políticas de planejamento reprodutivo, que excluem as adolescentes e exigem presença de um "responsável" para as adultas. Nos postos de saúde, as adolescentes só têm acesso ao programa municipal de planejamento familiar após darem à luz ao primeiro filho. Daí então poderão receber informação e métodos de contracepção. Além disso, mulheres adultas devem ser acompanhadas por um responsável... arram... mesmo que seja ela a pessoa responsável pelo domicílio... É motivo daquele riso de nervoso, sabe?

Voltando às meninas, antes de se tornarem mães, nem mesmo o contraceptivo de emergência é disponibilizado, contrariando as diretrizes do protocolo do Ministério da Saúde (acesse aqui). Isso também acontece em São Paulo capital e cidades do interior, segundo relatos ouvidos nas disciplinas do Quadrilátero da Saúde da USP. É como se toda a política de planejamento reprodutivo não reconhecesse a sexualidade dos jovens. Não há atribuição específica.... quem deve garantir informação e educação em sexualidade? A Saúde? A Educação? O Serviço Social? 

Destaco que, em minha cidade, são os CRAS aqueles que mais propiciam o tema para adolescentes. Eu tive a oportunidade de participar de um dos encontros do Programa PROJOVEM Adolescente, em uma escola pública da Zona Oeste de Londrina. Esperava encontrar-me com cerca de 25 jovens. Preparei 20 slides de conteúdo e um vídeo de 10 minutos, para 2h30min de conversa sobre "Saúde, sexualidade e gravidez na adolescência". Inesperadamente, cerca de 70 meninos e meninas entre 14 e 17 anos estavam diante de mim, e durante a minha apresentação, no momento em que eu disse que eles poderiam me interromper a qualquer momento com dúvidas e questões, cinco mãos foram erguidas. Mais risos nervosos.

Foram mais de 70 perguntas, 10 delas sobre aborto, outras 25 sobre métodos contraceptivos, 25 sobre comportamento e discriminação sexual, 10 sobre situações clínicas específicas, as quais não pude ajudar, a não ser indicar: consulte um médico se os sintomas permanecerem ou procure segunda opinião médica, se possível. Eu fiquei impressionada, muito positivamente.

Nas aulas sobre saúde e sexualidade, as quais tenho grande prazer de organizar, sempre utilizo referências de políticas públicas nacionais e recomendações de organismos internacionais. São as diretrizes para a garantia dos nossos direitos reprodutivos, direitos humanos. Quando conversamos sobre sexualidade com meninas e meninos, não corremos o risco de incitar neles o exercício prático. Estudos comprovam que os jovens que conhecem conteúdos sobre saúde sexual e reprodutiva, direitos sexuais e direitos reprodutivos, tendem a ser mais responsáveis com o exercício de sua sexualidade. Isso porque a informação lhes dá escolhas. Nem a sexualidade, tampouco a gravidez ou o aborto, são evitáveis com o silêncio. 

Nós sabemos que, para algumas meninas, a maternidade adquire um significado de melhor status, mas precisamos defender a educação e o trabalho porque proporcionam melhores oportunidades de autonomia e cidadania nos países em desenvolvimento, marcadamente patriarcais, machistas, racistas e homofóbicos.

Para finalizar, uma defesa das meninas. Não raro ouvimos argumentos do tipo: as mulheres fazem uso rotineiro da pílula do dia seguinte se ela é distribuída sem consulta médica nas UBS; ou, as mulheres farão mais abortos se descriminalizado. Isso é mais uma expressão da infantilização das mulheres, de sua irresponsabilidade de gênero, nas palavras da feminista Angela Freitas, em entrevista a Conceição Lemes para o Blog Viomundo: "um descaso com a honestidade das mulheres. É achar que, por princípio, elas são desonestas e mentirosas." - acesse aqui a entrevista.

E para que a crítica não deixe de ser construtiva, nesses casos, a proposta é que seja dever dos serviços de saúde acompanharem o fluxo das mulheres pelos programas de planejamento reprodutivo, o que só é possível com sistemas de informação eficientes.

Em livre tradução: Ações que os governos deveriam implementar para melhorar a saúde sexual e reprodutiva de adolescentes e garantir seus direitos humanos:
1. Fazer com que as escolas trabalhem conteúdos de edução sexual;
2. Revisar suas diretrizes de educação sexual para quem sejam adequados à idade, sensíveis às relações de gênero e baseadas em conhecimento científicos (e não crenças, tabus, dogmas religiosos, etc.)
3. Organizar o financiamento nacional para tais ações;
4. Firmar parcerias com jovens, especialistas e grupos da sociedade civil, para sua execução;
5. Assegurar que a saúde e os direitos sexuais e reprodutivos de meninas e meninos estejam incluídos nas políticas nacionais e supranacionais.

terça-feira, 29 de outubro de 2013

9o. Congresso Internacional de Parteiras Tradicionais, em Pernambuco

É com grande alegria que divulgamos este congresso, que acontece neste início de novembro, em Pernambuco, sendo um encontro fechado para convidad@s, entre elas parteiras tradicionais, aprendizes e doulas na Tradição, organizado pelo CAIS do Parto

Mais informações, abaixo! 

Quem puder contribuir, doações estão sendo aceitas, já que o evento não conta com recursos de editais, ou outros tipos de financiamento.


O 9º Congresso Internacional de Parteiras Tradicionais, de 3 a 8 de novembro de 2013 reunirá parteiras tradicionais de vários países da América Latina como México, Colômbia, Chile, Bolívia, Argentina, Uruguai, parteiras aprendizes de São Paulo, Santa Catarina, Rio de Janeiro, Ceará, Pernambuco, Bahia, Alagoas, Sergipe, Pernambuco, Goiás, Paraíba.

Na programação o congresso realizará o I Encontro Nacional de Doulas na Tradição. A reunião das escolas de parteiras da América Latina promoverá um grande impacto para a ressignificação da assistência ao parto e nascimento. Participarão parteiras de seis etnias indígenas, de quatro estados do nordeste e parteiras quilombolas da Paraíba.



O CAIS do Parto solicita doações de recursos econômicos para as despesas de hospedagem, alimentação, transportes locais, blusas e bolsas para 30 parteiras na Tradição que não podem pagar sua inscrição. Não contamos com financiamento, estamos construindo um outro formato de congresso que possa atender as necessidades verdadeiramente e ao final tenhamos atingido todas os objetivos com propostas factíveis e que possamos vislumbrar uma transformação real e efetiva.

Gratidão,

Suely Carvalho - Parteira Tradicional

Para doações:

BANCO DO BRASIL
AGÊNCIA 2365-5 - VARIAÇÃO 51 (POUPANÇA)
CONTA 31413-7
SUELY CARVALHO/CPF 316751239-34


Fonte: http://caisdoparto.blogspot.com.br/2013/10/ix-congresso-internacional-de-parteiras.html

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Maternidade e carreira profissional, ou como conciliei em home-office a maternagem ativa

O coletivo FemMaterna organizou a Blogagem Coletiva Maternidade, Paternidade e Carreira Profissional, e venho contribuir com meu relato de experiência desses mais de quatro anos em que meu companheiro e eu maternamos nossa cria, um menino sapeca e falante, que como luz guia nossos passos, desde sua gestação. Nosso Deus do Amor, Rudá, em tupi guarani, como reza a lenda, semeia a amorosidade por onde passa!


Refletindo sobre esse trilhar não posso deixar de conectar a vinda desse que foi meu segundo filho com o nascimento do primogênito, do primeiro casamento, um canceriano sensível e querido, Ícaro, mas que, também como a lenda, voou para longe de mim, com apenas dois anos, e vive, atualmente, com o pai e sua madrasta, e já se tornou um pré-adolescente questionador, com 11 anos de idade, e que pouco eu vi crescer.

Foi a falta dessa maternidade, em feridas hoje já bastante cicatrizadas que quando engravidei de Rudá prometi a mim mesma que tudo seria diferente. A começar pelo parto, já que Ícaro veio ao mundo por uma cesárea intraparto, daquela menina de pouco mais de 22 anos, que apesar de graduada pouco sabia sobre o sistema obstétrico brasileiro, tendo como fonte a Revista Crescer e Cia.

Nesta segunda gestação, numa fase bem difícil da vida, não planejada, com poucos recursos financeiros, tivemos a revelação, com o exame de farmácia. Nas próximas semanas da novidade, dois projetos que havíamos enviado foram aprovados, pela Secretaria de Cultura, do Governo de São Paulo, pelo Programa de Ação Cultural (ProAC) e Juliano passou no vestibular, dando início, no ano seguinte, os estudos em Agronomia, em outra cidade.

Nesta época estávamos na Ilha de Cananéia, onde Rudá nasceu, em nossa casa, nove meses depois, em um parto demorado, mas transformador - literalmente.

Desde aquele 23 de agosto de 2009 que nossas vidas nunca mais foram a mesma, e olhando agora para ele, que brinca ao meu lado enquanto escrevo essas palavras, faria tudo e mais um pouco de novo!

Com o parto domiciliar, a criação com apego foi inevitável, para mim. Amamentação exclusiva, até o sexto mês, e sob livre demanda, sendo prorrogada até seus dois anos e dois meses, quando houve o desmame, associada a cama compartilhada e aos cuidados integrais com aquele bebê que mostrou qual caminho, aquele do coração, que eu deveria seguir.

Organização e participação no evento Dia da Parteira, em Cananéia/SP
Foto de Leandro Cagiano.

Eu já tinha uma rotina de trabalho em home-office, como pesquisadora na área da Antropologia, com comunidades tradicionais caiçaras e ribeirinhas, e assim foram os primeiros anos de sua vida, agarrado no sling em nossas saídas-de-campo, nas assembleias de uma ONG em que éramos associados, nas vivências, cursos, formações. Todo tempo ele estava lá! E, para mim não poderia ser diferente!

Intercâmbio cultural em um quilombo carioca.

Com quatro meses prestei um concurso para professores do Estado de São Paulo, e passei em segundo lugar do Vale do Ribeira, sem ao menos ter consultado a bibliografia antes da prova. Prova em que Rudá também estava, com o pai, e que foi amamentado entre uma questão e outra. Eu teria dez aulas de Sociologia garantidas, todos os anos, mais os benefícios que a categoria permitia, porém, a amamentação como eu sonhava teria que ser mudada, ou tirando o leite, ou introduzindo leite artificial. A decisão?! Não, obrigada. E, foi aí que eu entendi que aquela maternidade ativa tinha sido uma escolha consciente, e que por ela eu abriria mão de outras coisas, mas muito menos importantes do que Rudá.

Fechamento de encomenda, com cria a tira-colo e direito a joinha!

Isso não quer dizer que não trabalhei. Desde lá foram intensos anos de muita labuta, escrita - com a criação deste blog, com Ana Carolina, em dezembro do mesmo ano de nascimento de nossos filh@s - de projetos culturais aprovados e coordenados, de quatro livros publicados - sendo o último sobre as parteiras tradicionais caiçaras - da descoberta pela paixão pela costura e bordados, com a criação do empreendimento feminino Comadres, onde eu e duas comadres amadas produzimos peças exclusivas e utilitárias. Além dessas tantas e diversas funções, iniciei um caminho na sagrada arte de partejar, através da Escola de Aprendizes de Parteira na Tradição, pelo CAIS do Parto, em Olinda-PE, atuando, ainda, como doula, e tendo a alegria de acompanhar outras mulheres, que como eu, tomaram a rédea de seus partos, e tiveram suas vidas transformadas pela maternidade.

Há pouco mais de quarenta dias nos mudamos de nosso chalezin, na ilha cercada pelas majestosas montanhas e estamos em Botucatu, interior paulista.  O motivo foi uma escola não tradicional para Rudá, onde ele não será alfabetizado aos quatro anos de idade, e sim irá brincar, correr, cantar, ouvir histórias e fábulas, enfim, irá ser o que uma criança dessa idade deveria ser, criança! Com esta nova etapa, novos caminhos profissionais para meu companheiro e eu estão se construindo, com vagarosidade e calma. Fase de adaptação, de nostalgia, de aperto no peito, lágrimas nos olhos, questionamentos, mas como disse uma amiga esses dias é para fazer a semente que está lá na terra esticar, brotar, florescer e semear novamente.


Assim, finalizo essas minhas impressões, tão sinceras com a minha verdade, na contramão de uma sociedade e seu status quo, que extraí, terceriza, medica, e pouca (ou quase nenhuma) importância dá a maternidade - reflexo do patriarcado, e da dominação em que nós mulheres sofremos, há muitos anos. Desta forma, posso dizer que para ser mãe não precisamos deixar nossa carreira profissional, e sim podemos adaptá-la, tendo em vista que essa primeira infância, tão sagrada e única, dura pouco, e lá na frente teremos saudades dela, ao ver nossos "...filhos fortes, sonho semeando o mundo real..."


* Confira outras histórias aqui!

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Maternidade, feminismo e estudos além mar, com Carol Pombo

É com grande satisfação que publicamos um relato consciente, crítico, e atual sobre o que nós mulheres passamos ao nos depararmos com uma gravidez não planejada, frente a falta de apoio que nossa sociedade reflete em nossa maternagem, incentivando um parto sem acompanhante, um não aleitamento materno exclusivo, e por seis meses, a tercerização de nossos filh@s e todas as outras ambiguidades culturais. 

Quem vem para a prosa é Carolina Pombo, que está em solos franceses, em seu doutorado, com cria e companheiro a tira colo, como um dia sonhou - antes de ser mãe!

Minha maternidade transitória

A maternidade chegou na minha vida de forma inesperada. Eu não tinha o sonho de engravidar, eu não era casada nem tinha uma relação amorosa estável, eu estava no meio do mestrado acadêmico e acabara de voltar a namorar com meu companheiro, meu atual marido. Eu sonhava em fazer o doutorado no exterior e ter dias mais livres, com o pé na estrada.

Quando soubemos da gravidez, foi um choque. A resposta positiva foi lida na companhia do meu namorado, duas amigas e minha irmã mais nova. Comemorações e lamentos ao mesmo tempo rodearam a minha cabeça, que girava em direções completamente opostas. Eu não queria mudar totalmente o curso da minha vida. Eu não queria parar de trabalhar, abandonar o sonho do doutorado no exterior, e nem queria casar, mesmo amando muito o pai da minha filha. Eu não queria ser outra pessoa – e a maternidade, diziam, faz com que o mundo a enxergue prioritariamente como “mãe”. Eu não queria ser limitada a essa identidade.

A primeira questão que eu encarei quando me vi grávida foi, então, a do aborto. Faria um aborto e continuaria meu percurso profissional e pessoal sem grandes mudanças?

A conversa com meu companheiro, na ocasião, foi fundamental para que eu tomasse uma decisão. Para ele, a gravidez não me impediria de fazer nada do que eu vinha sonhando, apenas retardaria um pouco meus planos. Ele me apoiaria em qualquer decisão, mas deixou claro que não via a maternidade como uma redução ou uma transformação completa da minha identidade. Eu poderia ser mãe, profissional, amante, doutoranda no exterior, com o mochilão nas costas e família ao lado...

Eu topei o desafio, e fui, gradualmente, retomando minha autonomia, fazendo da maternidade uma escolha e não um destino. Eu não tinha planejado o tempo em que Laura viria, mas eu poderia responder à essa novidade com o meu protagonismo. Foi com essa decisão que me preparei para um parto natural e enfrentei os constrangimentos do sistema obstétrico brasileiro. Abandonei a primeira obstetra que certamente me induziria a uma cesária desnecessária, depois tive que desistir de parir em casa porque o novo médico não me apoiava a esse ponto, e me indispus com ele por causa de uma atitude anti-ética em relação ao preço de sua assistência. Pari muito bem numa maternidade privada, tendo consciência, porém, de que eu representava os 10% de uma classe econômica privilegiada que sustenta a enorme desigualdade social entre as mães no meu país. Esse foi um dos primeiros processos que me levou a entender a contradição dessa identidade materna compulsória: se, depois da concepção, passam a nos olhar prioritariamente como “mãe” é geralmente para nos tornar em receptáculos dos conselhos (e cobranças) alheias e não para nos apoiar em nossas escolhas.

O fato é que, mesmo com todo o apoio do meu companheiro, tive que lidar com os enormes desafios da maternidade compulsória – essa que querem nos fazer vestir a todo custo emocional, econômico, e conjugal possível. Ela é composta das pressões para que, enquanto mães, adotemos certas práticas de maternagem que deixam muito pouca margem de autonomia. São práticas tidas como “naturais” (ou seja, normais), quando na verdade são moldadas por padrões de consumo que invadem os corpos e o tempo das mulheres, que impõem sobre elas a responsabilidade quase integral do bem estar das crianças, oferecendo pouco ou nenhum suporte para tal. São padrões que oferecem soluções “privatistas” para os cuidados com os bebês: que defendem hipocritamente a amamentação materna enquanto nos seduzem com bicos de plásticos em cada esquina; que nos “educam” para ter empatia pelas necessidades dos bebês, mas que não enxergam as nossas necessidades como indivíduos e cidadãs; que nos empurram a “terceirizar” a maternagem e depois nos culpam por fazê-lo. Percebi que, para exercer de fato uma maternidade “natural” – ou seja, espontânea e autêntica – eu precisava lutar contra o aliciamento de discursos contraditórios que sempre, invariavelmente, apontavam para a “culpa materna” e não problematizavam a “culpa da sociedade”.

Enquanto me debatia com os constrangimentos diários dessa maternidade, passei a debater com o meu companheiro: vamos fazer diferente?

Apesar do mercado de trabalho exigir que os homens estejam muito mais tempo fora do ambiente doméstico e das mulheres que se dividam entre trabalho do cuidado e trabalho (menos) remunerado, eu e ele passamos a negociar uma maternidade diferente. Ele passou a se integrar mais, cada vez mais, nos cuidados com a Laura (a começar pela participação no parto e na amamentação). E eu continuei buscando alternativas coletivas, que me proporcionassem o protagonismo materno e ao mesmo tempo a manutenção dos meus sonhos pessoais e profissionais. Esbarrei na falta de instituições de qualidade, para as crianças e os pais, na falta de espaços públicos de lazer, na falta de receptividade às crianças em ambientes diversos, nas poucas (ou nenhuma) ofertas de trabalho remunerado que me permitissem conviver de verdade com minha filha. Enfim, comecei a lutar com uma sociedade despreparada para a cidadania das crianças e de suas mães. Enquanto essa sociedade esperava que eu assumisse o cuidado integral da minha filha e abandonasse uma carreira profissional, ou que explorasse o trabalho de outra mulher e me ausentasse demais de casa, eu tentava esboçar soluções alternativas, negociando sempre com o marido. Não foi simples, não foi fácil. Discutimos muitas vezes, peitamos os patrões, os parentes, os especialistas, e as expectativas alheias – e seguimos na tentativa de conciliar nossos sonhos com o bem estar de nossa filha.

Hoje, falamos de maternidade transitória porque entendemos que “ser mãe” é algo diverso, que muda ao longo da História e das culturas das sociedades. Porque a forma como as mulheres são afetadas por essa função não é universal, mas é mutável, é transitória, varia de acordo com as expectativas e os recursos coletivos que elas vêem. E por isso, nem ele nem eu podemos impor sobre a “mãe da Laura” as expectativas de uma maternagem padronizada. Por isso, ele se integra muito mais do que o “esperado” nas práticas de maternagem que estabelecemos. A maternidade transita entre nós, e hoje, é compartilhada com as estruturas coletivas que são amigáveis e receptivas às famílias com filhos, no país que escolhemos passar os próximos três anos. Estamos na França, onde faço meu doutorado e ele aprende o francês e se dedica bastante à filha de quatro anos; onde eu acabo de escrever meu primeiro livro sobre o assunto e ele se prepara para renovar sua vida profissional. (Tudo com muito menos dinheiro do que tínhamos no Brasil, mas também com muito mais tempo para usufruir da companhia uns dos outros).

No livro A Mãe e o tempo: ensaio da maternidade transitória (que será publicado no final de outubro pela editora Memória Visual, no Rio de Janeiro), narro as dificuldades que vivi no primeiro ano de minha filha, e ensaio explicações sociológicas para elas, identificando contradições em discursos feministas e maternistas que, muitas vezes, nos fazem parar na cadeira de terapeutas e analistas, ou nos levam a tocar um ativismo apaixonado – sem que nos demos conta da reprodução de desigualdades sociais tão arraigadas. Eu busco, com esse livro, entender meu próprio percurso e incentivar a outras mulheres e famílias que busquem seus caminhos de forma autêntica, contribuindo para que Estado, empresas e demais organizações se responsabilizem também por nossos pequenos cidadãos.

O blog Parto no Brasil é um dos exemplos de ativismo materno que não se ilude com soluções privatistas, mas que nos leva a pensar na complexidade do sistema obstétrico brasileiro, que nos leva a reconhecer realidades e maternidades tão diferentes das nossas, a aprender com elas e a olhar de forma mais crítica para nossos padrões de maternagem. Agradeço demais a Bianca e a Ana Carolina que tem dialogado comigo nesses anos de blogosfera (a Bianca até publicou seu relato de parto no meu antigo blog, o What Mommy Needs)! Espero voltar aqui mais pra frente, para contar do desenrolar de minha pesquisa que é basicamente sobre o primeiro ano de transição da maternidade de mães brasileiras que vivem no Brasil, em Portugal, na França e na Suécia. Até breve!


* Carolina Pombo é escritora, pesquisadora e psicóloga social, e escreve seus diários de trabalho, viagens e escrita nos blogs Kaléidoscope e Com a cabeça fora d´`aguaalém de participar do coletivo feminista FemMaterna. Neste mês publica seu primeiro livro!




E, já que o tema é maternidade versus carreira fica o convite para a Blogagem Coletiva que o FemMaterna está organizando, abaixo:



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