Confira máteria de Will Montenegro, de 21 de fevereiro de 2010, extraída do Amazônia Jornal.
Na banheira ou dentro de casa. As modalidades de partos normais são diversas, no entanto, o que modifica, é à maneira de como o parto é conduzido e realizado. O mito de uma vez cesárea, sempre cesárea, em pouco tempo, pode ser quebrado, com a efetivação do parto ativo ou mais conhecido como parto humanizado. O nascimento normal sem intervenções cirúrgicas também é caracterizado como humanizado e independe do espaço em que é realizado. Pode ser no hospital ou em outro local adequado. É claro que em casos extremos e de complicações, a cesárea é a cirurgia salvadora da mãe e do bebê. Entretanto, métodos alternativos estão, cada vez mais, sendo implantados no segmento da saúde brasileira.
Prova disso, é o reconhecimento do Ministério da Saúde e da Organização Mundial da Saúde (OMS) dos benefícios do parto normal, tanto para a mãe como para o seu bebê. Os benefícios podem ir desde uma melhor recuperação da mulher e redução de riscos de infecção hospitalar até vantagens financeiras quando o assunto é parto normal. Com base em dados do Sistema Único de Saúde (SUS), a prática custa R$ 291, enquanto a cesárea, R$ 402. A cesariana inclui também infecções e hemorragias e até risco para o bebê, durante o corte da parede uterina.
De acordo com o gerente de toco-ginecologia da Santa Casa de Misericódia do Pará, Antônio Sérgio Carvalho, o parto humanizado conforme o que determina o Ministério da Saúde começa com assistência pré-natal, depois o acolhimento da gestante e, finalmente, o direito ao acompanhante de ficar com a gestante desde a internação até a alta hospitalar. 'E o trabalho é direcionado para fazer com que se reduzam as intervenções no trabalho de parto. Tais como a colocação de soro com hormônio que acelera a contração, lavagem intestinal, raspagem dos pêlos pubianos e minimizar a taxa de cortes realizados na vagina', afirma.
Entretanto, mais do que o simples acompanhamento adequado da gravidez, o parto humanizado preconiza um trabalho biopsicossocial realizado ao longo da gestação com a mulher. Além de ressaltar a necessidade do processo da natureza humana de parir. Caso mais recente foi da top model brasileira Gisele Bündchen, que preferiu, na hora do parto, estar em casa com o marido e usando banho quente para aliviar a dor.
Servidora passou 22h em trabalho de parto
A bolsa rompeu às 21 horas e o bebê só nasceu às 19 horas do dia seguinte. Foram 22 horas de trabalho de parto até ouvir o primeiro choro do filho. Para a servidora pública Ana Paula Gaia, a internet foi a principal ferramenta que a apresentou às modalidades de parto e informações sobre a gravidez, em especial, o parto humanizado. A partir das informações disponibilizadas na rede mundial de computadores, ela começou a frequentar grupos de apoio e participar de discussões com outras mulheres sobre a prática.
'Minha bolsa se rompeu à noite e só fui para o hospital às cinco horas da manhã, porque não tinha necessidade de ir logo. A bolsa rompida requer um pouco mais de cuidado, mas depende muito de cada caso. Até as 10 horas da manhã, ainda não estava em trabalho de parto. A minha médica esperou entrar em trabalho no final da manhã', relata.
Ana Paula é integrante da rede Parto do Princípio, que está presente em 16 Estados brasileiros e no Distrito Federal. A rede é formada essencialmente por mulheres que crêem na sua capacidade de tomar para si as decisões sobre o seu corpo nos processos de gestação, parto e pós-parto. Sem vínculos com profissionais, organizações e planos de saúde, a rede busca oferecer informações às usuárias. 'São mulheres que buscam informação e orientações sobre a capacidade de parir e de amamentar. De resgatar o processo de parir', diz.
Segundo ela, as mulheres sofrem intervenções ao serem entregues, no trabalho de parto, nas mãos de médicos e enfermeiros e, consequentemente, acabam não seguindo a sua natureza de parir. 'Quando ela está nas mãos dos profissionais, a mulher fica o tempo todo passiva. Fica recebendo ordem e o processo de parir não é natural, leva anestesias, procedimentos cirúrgicos e isso quando ela não vai para uma cesárea. Buscamos informar que ela é capaz de parir, de se movimentar na hora do trabalho de parto. O corpo simplesmente expele o bebê e não precisa ficar sedada. Basta que ela aceite essa condição e deixe o corpo agir naturalmente. Lógico que ela precisa de liberdade e privacidade', explica.
A cesárea não é condenada pela rede, que divulga o seu trabalho através do endereço eletrônico: www.partodoprincipio.com.br. Pelo contrário, considera a cirurgia salvadora. 'O que condenamos é uma cesárea eletiva', afirma.
Obstetra: menor risco para as mães e bebês
'Não é uma preferência e, sim, um compromisso'. É desta forma que a obstetra, Neila Dahas Jorge, se refere ao parto normal. Ela atua na especialidade há 29 anos e teve a formação voltada para prática por se tratar de uma via natural e de menor risco à mãe e ao bebê. Para a médica, a cesárea foi inventada para salvar a vida - de mãe e filho - nos casos em que o parto normal os expunha aos riscos.
'A cesárea foi banalizada e, devido a vários fatores ligados à mãe e ao médico, tornou-se indicação básica. A mãe não quer sentir dor e escolhe o dia e a hora do nascimento. Ela acredita que o parto normal possa danificar-lhe a genitália comprometendo sua atividade sexual', justifica.
Apesar disso, Neila considera que a cesariana tem indicações nas gestações de alto risco e ainda durante o trabalho de parto. São elas: desproporção entre a cabeça fetal e a bacia materna, sofrimento fetal agudo, irregularidades incorrigíveis nas contrações e/ou na dilatação do colo, entre outros. Segundo a obstetra, um parto normal conduzido corretamente e humanizado, possibilita melhor e mais rápida recuperação para a mãe, menos riscos de prematuridade e de angústia respiratória do recém-nascido. A médica não sabe mensurar o número de partos realizados ao longo da carreira.
'A família reforça o elo do casal, e mais rapidamente é estabelecido o vínculo mãe e filho através da amamentação precoce. Não faço idéia de quantos partos ou cesáreos já realizei. Nunca contei, porque quando jovem, no Rio de Janeiro, fazia plantões seguidos e a quantidade era absurda de procedimentos (10 a 20 pacientes por 24 horas), diz Neila Dahas.
Analista funda grupo que já atua em Belém, do Pará
A internet também foi a porta de entrada sobre o parto humanizado da analista de sistema Thayssa Rocha. Ela começou a frequentar os grupos de apoios sobre a temática em 2006, quando ainda morava na cidade de Olinda, em Recife. Thayssa ressalta a importância de grupos de apoio para auxiliar a grávida, já que estava em busca de uma alternativa de parto, que não fosse a cesárea nem o parto normal.
Após freqüentar os grupos de discussão e o nascimento do filho, Thayssa quis retribuir os conhecimentos adquiridos durante a gravidez. Juntou-se às amigas e fundou o grupo Ishtar-Recife, que tinha o objetivo de oferecer informações para grávidas sobre o parto humanizado. Em 2008, Thayssa se mudou para a capital paraense e deu início às atividades do Ishtar-Belém.
O grupo Ishtar trabalha com reuniões semanais com o intuito de trocar as experiências do parto humanizado. Além de contar com uma equipe de profissionais de saúde multidisciplinar. Entre eles, obstetras, enfermeiros, fisioterapeutas, educadores físicos e demais profissionais de saúde adeptos do parto sem intervenções cirúrgicas desnecessárias. Segundo Thayssa, as reuniões são compostas, em média, de 10 mulheres que buscam informações sobre o parto normal e, então, que queiram desmistificar a prática cesariana. 'Basicamente elas chegam procurando informação. São reuniões quinzenais e temáticas. É importante para a mulher grávida se sentir parte de um grupo. Para mim, isso foi muito importante', diz.
Thayssa afirma que a presença de maridos, avós e parentes é constante no grupo e é um apoio para a mulher imersa na sociedade que preconiza a cesárea. Ela não é contra a cesárea, no entanto, considera como uma cirurgia de resgate, quando indicada.
Além de atuar no grupo, Thayssa é doula (palavra grega, que significa: 'mulher que serve'). São mulheres voluntárias com experiência em ajudar e tranquilizar as gestantes. A doula, segundo explica, tem o objetivo de acompanhar a grávida desde o pré-natal até o pós-parto, minimizando as consequências do estado.
Nascimento em casa volta a ser incentivado por profissionais
Condução é a palavra mais adequada para definir quem auxilia no parto humanizado. O enfermeiro-obstetra e professor da Universidade do Estado do Pará (Uepa), Horácio Bastos, já conduziu três partos em casa. Ele também participa dos encontros do Ishtar e afirma que não é toda grávida que pode fazer o parto em casa. 'É preciso acompanhar a mulher desde o pré-natal até o pós-parto, e para isso uma equipe de profissionais precisa acompanhá-la. Nem toda mulher poder fazer isso. Ela precisa ser muito bem atendida. Há uma maternidade de retaguarda para caso aconteça alguma complicação', explica.
O professor conta que foi partir de uma exposição fotográfica de partos normais que despertou o interesse, principalmente, em bibliográficas científicas que abordassem o assunto. Hoje, ele repassa os conhecimentos adquiridos aos alunos e demonstra que existem alternativas que não é somente a cesárea.
Foi através de uma amiga que trabalha com grupo de mulheres, no Rio de Janeiro, que a professora Edna Abreu tomou conhecimento do parto humanizado. Hoje, aos 40 anos de idade, ela tem dois filhos. Todos nascidos de parto humanizado e realizados dentro de casa.
Na época, ela morava no Rio de Janeiro, quando engravidou da primeira filha. Depois, no segundo filho, o parto foi realizado em Belém. Segundo ela, as duas experiências foram pensadas no bem-estar dos filhos. 'Eu e meu marido, optamos por isso em respeito a mim e aos nossos filhos que nasceram na companhia de profissionais que respeitaram o meu processo fisiológico e tudo foi feito com muita informação, esclarecimento e diálogo. Dentro de casa nós temos total liberdade de movimento, posição e toda disponibilidade de tempo, temos o direito a fazer as escolhas que consideramos melhores', relata.
Rede ajuda mulheres a perder medo de ter filho naturalmente
A usuária da rede considera que as mulheres têm medo do trabalho de parto, principalmente de como ele é demonstrado para a sociedade. De acordo com Ana Paula, isso ocorre quando a mulher está entre uma equipe médica fora dos padrões de humanização. 'As mulheres precisam se sentir seguras no trabalho de parto. Ela sente o corpo, mas, é claro, que ela geme, dá aqueles sinais naturais de uma mulher que vai ter um filho e é por causa disso que muitas mulheres temem o parto normal, além de que não têm informações suficientes de quando precisam de uma cesárea', completa.
Para ela, os profissionais de saúde precisam ter confiança na capacidade natural de parir, além de disponibilidade de tempo para a realização do parto natural, sem precisar induzir o nascimento do bebê com intervenções cirúrgicas, como por exemplo, a injeção de ocitocina para acelerar o trabalho de parto, aumentando a força das contrações. Ou ainda o períneo (corte vaginal) para facilitar a passagem da criança.
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