A dor sentida (ou não) durante o trabalho de parto é muito subjetiva, pois cada mulher tem suas próprias sensações, diríamos que ela seja relativa a cada experiência e vivência enquanto pessoa, pelos caminhos já percorridos, por acontecimentos vivenciados no passado, mas o foco é que por conta dessas ditas dores que a medicalização do parto ocorreu, por volta de 1920, com o “sono do crepúsculo”.
As intervenções propostas nessa época pelo obstetra norte-americano Joseph DeLee, que salientava o caráter patológico do parto e os usos indiscriminados do fórceps, da episiotomia e de substâncias que acelerassem o nascimento, como o ergot e que sedassem a “paciente”, como o éter e o clorofórmio, ganharam força, assim, já na década de 30, a profilaxia na obstetrícia era norma rotineira (ODENT, 2003).
Pessoalmente, em minha primeira gestação, de Ícaro, hoje com pouco mais de sete anos, não senti fisicamente esta dor, por um laudo de distócia e bolsa rota há 12 horas, sem nenhuma contração como sinal, mesmo com uso de ocitocina sintética, fui submetida à cesariana, onde fiquei anestesiada por uma combinação de morfina e raqui. Meu filho nasceu, no auge da Copa do Mundo de 2002, assunto comentado pela ginecologista obstetra (GO) e anestesista durante a cirurgia, sendo que após seu nascimento, nada humanizado, ele já foi levado para o pediatra e sabe Deus (e nós sabemos!) por quantas intervenções a cria passou, pauta essa que apetece meu coração ao imaginar como bem-vinda foi sua recepção ao mundo, com a ausência de sua mãe, de seu seio, do nitrato de prata pingado em seus olhos, da vitamina de Potássio (K) injetada, das vacinas para imunização, enfim...
Já com o nascimento natural e domiciliar de Rudá, há cinco meses, amparado por uma parteira obstetriz, em um trabalho de parto ativo de 32 horas vivi plenamente minha função de mulher, mãe e mamífera; a cada contração e abertura de meu colo uterino podia perceber que sua chegada se aproximava, escutava a bacia se alargando e dando espaço a passagem, imaginava meu filhote em meus braços, no calor de meu peito, sem intervenções e interrupções bruscas, em prol da segurança neonatal e hospitalar de seus protocolos inóspitos. E, assim, ele chegou, em nosso quarto, no chão, a luz de velas, na penumbra da noite chuvosa e fria de inverno, ao lado das montanhas, nos braços do mar!
Doeu? Sim! E muito! Mas, revivendo e relembrando consigo entender o porquê dessa dor e consigo compreender as falhas hormonais que tive, visto que a ocitocina, que colabora para que o útero se contráia e a endorfina, que funciona como um analgésico, foram perseguidas pela adrenalina dessa aprendiz de parideira...
De qualquer forma, faria tudo novamente!
O parto é um momento único na vida da mulher e também de seus familiares, é um processo fisiológico, parte da natureza humana; nosso corpo, tal como uma máquina, possuí todas as funções para que esse evento ocorra e as mãos do homem, nessa medida, devem agir quando necessárias, caso seja preciso um resgate.
_ ODENT, Michel. O camponês e a parteira. São Paulo: Editora Ground, 2003.
Desenho de Tulipa Ruiz_Parto para chegar_
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