-->O texto postado hoje são trechos extraídos do livro "Our Babies, Ourselves", de Meredith Small, com colaboracão de Andréia Mortensen.
A forma como parimos e cuidamos de nossos filhos é fruto de nossa cultura e do meio em que estamos inseridos, bem como do momento histórico pelo qual estamos vivenciando. Nas passagens desta obra de Small podemos verificar como o Ocidente, com seu desenvolvimento tecnológico exacerbado, trata as crianças desde seu nascimento até quando se tornam adultas, para, enfim, entrar para o mercado de trabalho e passar o resto de suas vidas acumulando bens... recordo-me de uma tira de quadrinhos de Schulz, o criador de Peanuts, mais conhecido como Snoopy, em que um dos personagens, se não me engano Linus, refletia sobre a vida e que desde pequeno deveria ir à escola estudar, estudar e estudar, para, quando crescer, trabalhar, trabalhar e trabalhar, como seu pai!
Boa leitura!
Nós, nossos bebês e a cultura
O bebê humano é o mais indefeso dos recém-nascidos. O cérebro ainda não se completou, ele é incapaz de ficar de pé ou de buscar o próprio alimento. Essa dependência exige alto investimento dos pais para criar um filho; para tanto, precisam estabelecer um vínculo íntimo como o bebê, já que este dispõe de poucos meios para expressar suas necessidades.
A própria Natureza determinou assim essa relação simbiótica entre os pais e a prole, criando esse vínculo característico da biologia humana para o crescimento e desenvolvimento do bebê. As maneiras de cuidar do bebê variam de cultura para cultura, mas giram em torno do trio: sono, cuidados e alimentação. A etnopediatria é o ramo que estuda a influência da cultura sobre a biologia, comparando as estratégias parentais ao longo da evolução. Quando nasce um animal quadrúpede, ele é capaz de ficar de pé imediatamente. Os humanos nascem com o cérebro imaturo, incompleto, com alta exigência calórica para seu metabolismo, já que seu crescimento continuará acelerado após o nascimento.
Na maior parte das culturas em qualquer época, o recém-nascido passa aos braços da mãe logo após o nascimento. É relativamente recente a ideia de separá-los e levá-los para o berçário, foi em 1896 que Martin Cooney inventou a incubadora e passou a advogar a separação de mãe e filho. A ideia logo se ampliou: idealizada para prematuros, passou a ser usada para todos os bebês. A hospitalização do parto, a fim de salvar as mães de hemorragias e infecções, tornou a gestação parte do modelo médico-hospitalar, ou seja, passou a ser tratado como “doença”, sujeita a normas hospitalares e à separação mãe-filho. O bebê só ia para a mãe 12 a 24 horas após o parto e, depois, a intervalos regulares para mamar, a maioria chegando nos ‘carrinhos’ com as respectivas mamadeiras.
O movimento feminista dos anos 70, as observações de Bowlby & Harlow sobre “attachment” e a observação de dois obstetras, Laus & Kennel, é que começaram a retomar o direito de o bebê ficar com sua mãe e estabelecer o que lhe é primordial: o vínculo. Depois, passou-se a admitir o ‘rooming-in’ (alojamento conjunto) que hoje é aceito universalmente.
Durante toda a gestação, a mãe produz uma quantidade enorme de hormônios, que culminam na liberação de ocitocina e prolactina no parto, que propiciam a maternagem. Embora a bastante citada Elisabeth Badinter negue o ‘instinto materno’, a gestação induz na mãe uma atitude de proteção e de cuidado para com o bebê, que se acentuam quando ela o toca, sente, cheira e lhe oferece o seio. Só que, tão logo o bebê nasce ‘nasce’ ao mesmo tempo uma legião de pitaqueiros, querendo ensinar a mãe a cuidar de SEU bebê: suas irmãs, sua mãe, cunhadas, tias, vizinhas, e até desconhecidos lhe dão conselhos. Sem falar no monte de revistas e livros especializados, e nos especialistas profissionais.
A grande diferença entre as culturas primitivas e as ocidentais modernas é o objetivo determinado para o filho. As mães mais ‘primitivas’ não se preocupam com ‘independência’: carregam o filho junto ao corpo o tempo todo e até vão trabalhar com eles nas costas, em slings, cangurus etc. As mães modernas e inteligentes estão voltando a buscar na Natureza o que foi perdido pela cultura: mais contato corporal, mais colo, dormir junto com o bebê e – a GRANDE SACADA – amamentar! Simples assim. Grande assim.
Somente nos últimos 150 anos, com o surgimento de casas com vários compartimentos, que começou a se separar os bebês e colocá-los para dormir longe dos seus pais. No século XX, as crianças das sociedades tecnológicas foram mais separadas de suas mães do que em qualquer época anterior na história da nossa espécie. Mais e mais nascimentos aconteceram em hospitais, e os berçários nos hospitais foram inventados para proteger as crianças de infecções.
Desde o nascimento, esperava-se que os bebês dormissem sozinhos, longe de suas mães. O declínio da amamentação, promovido em parte pela empresas produtoras de leites artificiais, também contribuiu para agravar esta separação entre mães e bebês. A revolução feminista também exerceu um grande papel nessa mudança. A defesa do aleitamento prolongado coincide com a política de segurança alimentar nos países subdesenvolvidos promovida pela mesma nação que promoveu o desmame, demonstrando como a cultura tem sido suprema em relação ao biológico. O resultado de todas estas influências é que, por volta de 1950, pouquíssimos bebês nas nações industrializadas ocidentais dormiam com suas mães.
Na cultura ocidental (como nos EUA e Brasil), a independência da criança é super valorizada. Numa pesquisa na qual se perguntou a pais americanos qual o objetivo na educação dos filhos, a maioria esmagadora dos pais respondeu algo que continha a palavra independência.
Esta visão se ajusta perfeitamente ao que a sociedade ocidental espera de seus indivíduos, ou seja, um indivíduo na sociedade ocidental tem chances de ser bem sucedido se for independente em vários aspectos. No mercado de trabalho, por exemplo, a concorrência é grande e a medida do sucesso é feita geralmente através da superação dos concorrentes.
Já em culturas não tão industrializadas, como tribos aborígenes na Austrália, ou indígenas em vários lugares do mundo (África, Equador, Brasil e outros), a meta principal de vida não é a independência. Não é esperado que o indivíduo cresça para uma vida individualista. Ao contrário, de preferência este continuará sempre num grupo, onde desempenhará uma função específica, porém numa posição interdependente. Dessa forma, o sucesso da sociedade não se mede em nível individual e sim em nível coletivo.
A industrialização global está mudando este aspecto mesmo nessas sociedades menos industrializadas, tendo uma grande influência na cultura e, em conseqüência, no modo de educação dos filhos.
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