Informação - Saúde - Direitos - Autonomia
sexta-feira, 14 de maio de 2010
Carta aberta a Alexandre Garcia , por Daphne Rattner
Brasília, 12 de maio de 2010 - Prezado Alexandre Garcia,
foi com imensa tristeza que tomamos conhecimento de seus comentários levianos sobre a excelente iniciativa do Governo do Distrito Federal em organizar seus serviços, a começar pela maternidade do Gama, de forma a possibilitar a presença de acompanhante de escolha da parturiente durante o trabalho de parto, no parto e pós-parto imediato, conforme preconiza a Lei 11.108 de 2005.
Um governo não deveria ser criticado por se propor a cumprir uma lei.
Por outro lado, essa lei, chamada de lei do acompanhante, de iniciativa da senadora Ideli Salvatti, traduz o que há de mais avançado, em termos de conhecimentos científicos, para o sucesso de um parto normal.
Certamente, por ser jornalista, deve ter tomado conhecimento da Colaboração Cochrane, uma organização que analisa metodologicamente trabalhos científicos, selecionando os melhores e verificando, através de meta-análises, quais são as boas práticas para a assistência à saúde. Um dos campos em que há mais estudos desse gênero é o de atenção obstétrica e neonatal, ou seja parto e nascimento.
Em parceria com a Colaboração Cochrane, a Organização Mundial de Saúde editou a publicação "Assistência ao Parto Normal: um guia prático". Nessa publicação, as práticas de atenção ao parto foram classificadas em quatro categorias:
*A* - Práticas demonstradamente úteis e que devem ser estimuladas
*B *- Práticas claramente prejudicias ou ineficazes e que devem ser eliminadas
*C* - Práticas em relação às quais não existem evidências suficientes para apoiar uma recomendação clara e que devem ser utilizadas com cautela, até que mais pesquisas esclareçam a questão
*D* - Práticas frequentemente utilizadas de modo inadequado.
Entre as práticas do Grupo *A*, está: "*Respeito à escolha da mulher sobre seus acompanhantes durante o trabalho de parto e parto*."
De acordo com essa publicação (pp. 13 e 14): "O apoio físico e empático contínuo durante o trabalho de parto apresenta muitos benefícios, incluindo um trabalho de parto mais curto, um volume significativamente menor de medicações e analgesia epidural, menores escores de Apgar abaixo de 7 (para o recém-nascido, nota nossa) e menos partos operatórios."
Consta ainda do documento: "Uma parturiente deve ser acompanhada pelas pessoas em quem confia e com quem se sinta à vontade: seu parceiro, sua melhor amiga, uma doula ou uma enfermeira-parteira.".... "Unidades de grande porte que realizam 50 a 60 partos por dia deveriam reestruturar seus serviços, a fim de poderem responder às necessidades específicas das parturientes".
E finaliza esse item: "Em conclusão, o parto normal, desde que de baixo risco, necessita apenas observação cuidadosa por um parteiro treinado e competente, a fim de detectar sinais precoces de complicações. Não necessita intervenção, e sim estímulo, apoio e carinho. Podem-se elaborar diretrizes gerais sobre o que é necessário para proteger e estimular o parto normal. Entretanto, cada país disposto a investir nesses serviços deve adaptar as diretrizes à sua situação específica e às necessidades das parturientes, assim como assegurar a presença de elementos básicos, a fim de atender adequadamente as gestantes de baixo, médio e alto risco e aquelas que desenvolverem complicações."
Em 2005, o Brasil, através da lei federal N° 11.108, instituiu a lei do acompanhante. O Ministério da Saúde, através da portaria N° 2.418/2005, a regulamentou.
Em 2008, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA, através da Resolução da Diretoria Colegiada -RDC N° 36/2008, divulgou o Regulamento Técnico para Serviços de Obstetrícia e Neonatologia, que determina a organização do espaço físico nas unidades de saúde de forma a fazer cumprir essa lei.
No início de maio de 2010, o governo do Distrito Federal divulgou que irá cumprir a lei federal e seguir as determinações da ANVISA, de forma a possibilitar que as mulheres da região do Gama possam ter acesso ao que é preconizado pela literatura científica e Organização Mundial de Saúde.
E, em 7 de maio de 2010, na sexta-feira anterior ao Dia das Mães, você, Alexandre Garcia, prestou um grande desserviço a sua audiência, ao veicular opiniões sem base científica, sem sintonia nas recomendações da Organização Mundial de Saúde e agredindo o Ministério da Saúde e a Secretaria de Saúde do GDF de forma leviana, preconceituosa e infundada, justamente numa
iniciativa que merece ser louvada, pois é favorável às mulheres. A quem serve essa atitude?
Queremos, através desta, manifestar nosso veemente protesto a você e à CBN e propor que seja veiculada, através dessa emissora, informação cientificamente fundamentada e com orientações que contribuam para a construção da cidadania das mulheres, revelando seus direitos garantidos em lei e fazendo-as conscientes das possibilidades de exercê-los.
O movimento pela Humanização do Parto e Nascimento, um conjunto de muitas organizações não governamentais, em parceria com o Ministério da Saúde e com o Governo do Distrito Federal, está organizando a III Conferência Internacional sobre Humanização do Parto e Nascimento, que ocorrerá em Brasília, de 26 a 30 de novembro próximo. Aproveitamos a oportunidade para
convidar o senhor Alexandre Garcia para assistir ao painel Experiências Bem-Sucedidas de Inclusão do Acompanhante, que mostrará os avanços dessa prática em nosso país.
Atenciosamente,
*Profa. Daphne Rattner* - Universidade de Brasília - Presidente da III Conferência Internacional sobre Humanização do Parto e Nascimento
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário