quinta-feira, 20 de maio de 2010

Parto e Poder

Estou relendo a tese de doutoramento em Antropologia da querida Susi (Carmen Susana Tornquist). A pesquisa, intitulada "Parto e Poder: O Movimento pela Humanização do Parto no Brasil", foi defendida no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS/UFSC) em 2004, e está integralmente disponível na internet (acesse aqui).
Trago um trecho da etnografia que a antrópologa fez da maternidade do HU da UFSC, mais especificamente, a descrição de um período expulsivo típico (e que acaba em cesárea): trata das dores do parto, do ritual médico da cirurgia e do posicionamento das pessoas envolvidas diante destas dinâmicas.

O tempo de espera na sala de pré- parto é o tempo da entrada na liminaridade: ali, a mulher e seu/sua acompanhante estarão isolados, e inicialmente tranqüilos, à espera de que as dores aumentem, é um tempo de espera e onde se dá a entrada da mulher- em algum momento de difícil previsão- na liminaridade, quando dores se ntensificam, e ela se transforma em função da dor e dos descompassos entre o desejo de acelerar o processo e a impossibilidade de controlar totalmente a hora da expulsão.

Para Turner e Van Gennep, este momento é marcado pel presença de forças contraditórias e incontroláveis, que precisam ser manipuladas pelos envolvidos. Não há dúvida de que forças fisiológicas orientam este processo - não se sabe em que momento o colo vai dilatar totalmente e o bebê vai entrar no terceiro estágio do parto (puxo), e este processo independe do desejo da mulher e mesmo de muitos dos recursos de aceleração que às vezes são ministrados ser ministrados pela equipe.

Este é o ápice da dor e/ou do sofrimento, a hora em que se ouve subitamente muita gente invocar Deus, Virgem Maria e outros santos - num ambiente onde não se encontra nenhum signo de religiosidade e onde poucas vezes se escuta falar de deus.

No caso dos partos normais - o que se busca, em última instância, nesta Maternidade- há que se lidar com a tão esperada chegada da dor (prenúncio da proximidade do parto) e com o manejo dela, trazendo a cena a noção de risco, angústia, tensão. Muitas vezes, é neste período em que o médico decide por uma cesárea, e esta decisão vem a controlar as tensões da equipe e, por vezes da parturiente, embora muitas comecem a tremer e a manifestar outro sentimento, em geral compartilhado pelos acompanhantes, que é o medo.

Após a decisão pela cesárea, há toda uma movimentação que envolve mudança de sala, chamamento de outros profissionais, preparação dos instrumentos. A mudança de postura diante das expressões da dor e de método, e o estado de descontrole é rapidamente controlado.

A cesárea seria as forma mais perfeita de aplacar a dor, por cabo aos suplícios do trabalho de parto antecipando a vinda do bebê, procedimento mais adequado dentro do ritual médico, oferecendo tudo que medicina dispõe (da supressão da dor ao horário previsto), símbolo máximo da medicalização do corpo e da vida.

Mas a ideologia da humanização postula que ela retira da mulher sua feminilidade, então, colocando a diante de um dilema: como lidar com a dor (com sua expressão contrária ao que é visto como obrigatória) neste contexto?

Parto e Poder. TORNQUIST, 2004. (p. 302).

E, lógico, gostaria de saber da opinião de vocês sobre as dores e o hospital, as contrações e os analgésicos, as decisões que são tomadas e as intenções que ficam presas à memória. Até que ponto cada um de vocês sentiu-se realmente empoderada? Ou então, como se sentiram diante das tomadas de decisão que atingiram seu corpo e o nascimento de seus filhos? Como percebem as responsabilidades, suas e da equipe de assistência?
Você avalia que conseguiu controlar seu trabalho de parto e parto? Como?

6 comentários:

  1. Desejei o parto normal desde que soube que estava grávida. Fiz exercícios especiais durante os últimos 4 meses e aguardei minha hora. Contudo, fortes contrações 'falsas" durante as últimas semanas me esgotaram de tal maneira que na hora do nascimento, após 12 horas com contrações e zero de dilatação , tive que me submeter a cesárea . Excelente post. Estou colocando o button no site hoje.

    Abraço

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  2. Senti-me empoderada em todo meu trabalho de parto. (E poderosa após o nascimento.) Acredito que meu parto ter sido domiciliar e com parteiras, minha preparação intelectual e emocional para acreditar em mim e em meu bebê, me deram toda confiança que precisava para tomar as rédeas e protagonizar meu parir, assumindo minhas responsabilidades, juntamente com meu marido e a equipe que me assistiu. Tinha total confiança em minhas parteiras, mas principalmente em mim, tanto que quando uma delas disse para a neonatologista que o nascimento ainda demoraria, já com dilatação total, eu sabia que ela estava errada, e estava mesmo, tive um expulsivo bem mais rápido que elas previram, pois elas tem toda experiência, mas eu estava consciente e conectada com meu corpo e ninguém poderia saber melhor dele que eu.
    Abraços!

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  3. Olá!!!
    Adorei este cantinho...
    Faço faculdade de enfermagem e pretendo iniciar minha pós em obstetricia na metade do ano que vem!
    Virei sua seguidora!!! Quero ficar por dentro dos acontecimentos
    Se puder me faça uma visitinha tbm
    Bjus

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  4. Olá! Meu TP foi empoderado sim, mas não foi exatamente como eu gostaria. Tentei lembrar o tempo todo dos relatos que li e que dos vídeos que assisti, lembrando que mesmo chegando um momento em que pareceria não aguentar mais, eu aguentaria sim, como muitas mulheres já aguentaram, inclusive minha mãe por 4 vezes e minha sogra por 2 vezes. Saber que tantas mulheres longe dessa medicalização extrema foram capazes de dar à luz em suas casas me fazia acreditar também em mim. O que não gostei em meu TP foi exatamente ter que resistir aos incômodos do ambiente hospitalar, e depois do nascimento, não me senti acolhida e "consolada" pela equipe médica, afinal eu tinha vivido o momento mais intenso da minha vida, e as pessoas se comportavam como se eu tinha apenas cumprido minha "tarefa" e pronto. Mas, sou muito feliz com a minha lembrança do parto de minha única filha. Foi um divisor de águas em minha vida.

    Valeu pela inspiração do post!

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  5. Adorei esse blog! Antes mesmo de engravidar já era a minha decisão um parto normal. Mas quem disse que isso seria possível sendo acompanhada (enganada) por um obstetra que sempre dizia que ia me ajudar no tã sonhado parto normal, quando na verdade na primeira oportunidade me mandou para o centro cirúrgico. E assim foi Manu nasceu de cirurgia, graças a um hospital totalmente despreparado para realizar partos normais (eles tem uma ala que chamam de maternidade) sem sala de pré parto, sem acompanhamento de uma parteira, doula ou mesmo uma enfermeira de boa vontade. Me colocaram num quarto onde já tinha ali uma moça que tinha acabado de ter uma cesárea (quase uma linha de produção). Como eu ia conseguir engrenar naquele parto dos meus sonhos com um entra e sai de visitas da outra moça, enfermeiras mau humoradas? 12 horas de sofrimento, contrações fortíssimas e constrangimentos pra ouvir que eu não tinha dilatação nenhuma e que ia partir para cesárea! Claro que não tinha dilatação, naquela situação tão desconfortável que corpo reagiria tão positivamente? Ficou esse vácuo em mim!
    beijos!

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  6. Putz, sempre digo, de tão teimosa q a capricorniana aqui é conseguiu resistir 32 hs em tp, sem pedir anestesia, hehe.
    Mas, isso faz parte de um longo processo histórico de minha vida... depois de ter Ícaro por uma cesárea, por falta de dilatação (segundo a go, mas ainda penso numa outra possibilidade...) e me empoderar na gravidez de Rudá, c/ todo tipo de boa informação e conscientização de q o parto era meu, de meu corpo, busquei outra forma de trazer meu filhote ao mundão: parto em casa, acompanhado por uma eo, e assim foi! Resisti, consegui, pari!!! Doeu pacas, mas fiquei muito concentrada, acreditando q seria possível, natural, fisiológico e q estando tudo bem, nada tinha p/ temer. Numa madrugada chuvosa de agosto entreguei meu corpo a mágica dança do nascimento, senti cada abertura de meu útero, de minha bacia, da chegada da cria cheirando líquido aminiótico, e não posso deixar de acrescentar q a presença das pessoas, tão especiais, q me acompanharam foi essencial! Acalento, carinho, presença, parceria! Sim, é possível! Mas, hj deixamos de se apropriar de nossa vida, e, sucessivamente, de nosso corpo... confiamos à Medicina esse papel, c/ suas máquinas e bisturis, tal qual fazemos, por exemplo, c/ nossa alimentação...
    Esse divisor de águas, como foi dito já em outro comentário, tb plantou a semente do ativismo em mim e junto c/ Ana esse espaço nasceu!
    A dor como uma das figurantes desse rito de passagem faz nascer não só um bebê, mas renascer a mulher, a Fênix!

    Adorei amiga! Post bacana e de quebra link p/ a bela tese de Tornquist (q não consegui ler ainda, rs). Amo! Saudade saudade...

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