"Estamos prontos para amar?".
Foi assim que o obstetra Michel Odent iniciou sua conversa com um grupo de pessoas no Espaço Aobä, em Curitiba/PR, de diversas áreas, incluindo obstetras, enfermeiras, doulas, psicólogas, cientistas sociais etc. em abril, em seu workshop Nascimento: da fisiologia à prática, desta forma, o post de hojé é o resultado da compilação dessa prosa boa (demorou, mas saiu!)!
Nossa sociedade, tecnocrata e cartesiana, não pode aguardar, com naturalidade, a vinda de nossos bebês. A indução do parto, pelo uso de ocitocina sintética, hormônio que contribui com as contrações uterinas, é uma das intervenções mais corriqueiras, mas não aparece nos estudos científicos e nas estatísticas de parto e nascimento, assim, é impossível saber quem teve o processo de Trabalho de Parto (TP) induzido, e, por que não falamos disso? Será apenas "um detalhe"? Por que tantas mulheres precisam de ocitocina sintética? Elas não conseguem naturalmente liberar esse hormônio fundamental para o parto? Será que o lugar em que elas estão parindo influencia? A ocitocina atravessa a placenta? Atinge o bebê? A quantidade introduzida de ocitocina é muito maior do que a produzida pela glândula perianal?
Na literatura médica encontramos apenas um estudo de 1996, de um jornal de Medicina Fetal e Materna em que foram relacionados os índices de ocitocina produzida pela mãe e a sintética introduzida na veia e na artéria umbilical e o que se concluiu, portanto, é que a ocitocina atravessa sim a placenta, assim, quando a mãe recebe ocitocina sintética o bebê também recebe, indo para seu cérebro e ocasionando durante seu efeito estresse nesse precioso momento de vida extra uterina, com a interação dos genes e do ambiente.
Desta forma, interferimos rotineiramente e continuamente no sistema ocitocinógeno dos humanos, que também interfere na vida social e na capacidade de amar.
Atualmente, passamos por um momento de revolução cultural e questionamos o uso demasiado dessa substância, utilizada mundialmente, e reavaliar as estatísticas é de suma importância, pois esse fato não é um "mero detalhe".
Algumas doenças comuns em nossa sociedade estão associadas ao sistema ocitocinógeno, como o autismo e a anorexia, então, vale questionarmos o uso de ocitocina sintética durante o TP. Como conclusão, podemos perceber que estamos no caminho de redescobrir o que há de básico na fisiologia do parto e esquecer tudo o que já foi dito e estudado.
Fisiologia - Período Perinatal: qual a necessidade da mulher no TP?
Podemos redescobrir hoje essas necessidades depois de tantos anos de aplicação científica/cultural/ritualística?
No século XX, descobrimos através de um acúmulo de informações que o bebê precisa da mãe, mas algumas sociedades separam mãe e bebê após o parto, tendo a amamentação atrasada, seja por mitologias culturais ou tecnologias científicas, assim, o instinto protetor agressivo da mãe, inato, é reprimido, anulado pelas culturas, crenças e rituais, sendo o colostro, considerado nos cinco continentes, um fluido que faz mal, justificando, portanto, a separação, mesmo sendo tão precioso... outras crenças também são transmitidas, ritualizadas e difundidas, como o corte do cordão umbilical e a expulsão da placenta.
Nos anos de 1953 e 1954, em um hospital de Paris, ainda como estudante de Medicina, Odent pode acompanhar os procedimentos de parto e nunca os bebês ficavam com as mães após o nascimento, a parteira cortava o cordão e o bebê era separado, comprovando o condicionamento cultural pelo qual sofremos.
A partir de testes de controle randomizados, e a introdução do contato entre mãe/bebê, pele a pele, através da autorização de cômites éticos e a defesa de que o bebê precisa de sua mãe verificou-se a presença de hormônios que flutuavam nesse período perinatal e a produção de anticorpos, assim, se não interferimos na relação mãe/bebê e o filhote encontra o seio na primeira hora após o parto uma imunização bacteriológica natural acontece.
O bebê precisa de sua mãe!
Essa descoberta de suma importância é também aceitável?
Os exemplos tem demonstrado que sim!
Alojamento conjunto: mãe e bebê juntos versus Berçário.
Cuidado Mãe Canguru: criado em Bogotá, na Colômbia, em 1979, sendo a mãe a melhor incubadora.
Mesmo essas práticas serem aceitas intelectualmente tais descobertas culturalmente não foram tão aceitáveis.
Um outro ponto nesta discussão é a presença do pai durante o TP e parto, sendo uma nova "doutrina" aplicada, além das atendentes de parto, com uma nova geração de parteiras e doulas. Desta forma, se foi possível no século XX redescobrir que o bebê precisa da mãe também podemos redescobrir as necessidades da mulher durante o TP.
Nesta perpectiva temos dois entraves que atrapalham o processo fisiológico do parto e nascimento: a Ciência e a cultura, portanto, qual a razão para otimismo?
A fisiologia ultrapassa e supera as intervenções científicas e culturais! A grande questão é o antagonismo entre ocitocina e adrenalina, visto que quando os mamíferos liberam adrenalina não podem liberar ocitocina, o hormônio que facilita as contrações uterinas para o parto e expulsão da placenta e sensações como medo, frio, sentimento de estar acuado ativam o neocórtex, parte do cerébro responsável por "pensar", que garantiu o desenvolvimento dos humanos, produzindo mais adrenalina!
Durante o parto ou outros processos sexuais inibições do neocórtex interferem no desenvolvimento dos mesmos, assim, quando falamos de fisiologia do parto temos que centralizar na ocitocina, como ocorre sua liberação, quais são os fatores para a sua produção, tendo em vista que em pessoas tensas e ou observadas age como um "hormônio tímido", portanto, temos que verificar as situações que dependem da liberação da ocitocina.
Tanto a ocitocina como a endorfina estão presentes em todos os processos sexuais, reflexo de ejeção, como da ereção, do esperma, da lubrificação vaginal, do feto, do leite.
Em todas as sociedades, até àquelas em que são mais livres, casais se isolam para copular. No reflexo de ejeção do leite, por exemplo, quando a mulher está sozinha, em um lugar escuro, com portas e janelas fechadas esse processo é mais fácil.
Mas, existem estratégias para não observação quando se está parindo? Em sociedades pré agriculturas, mulheres se isolavam para parir, comprovados em documentos antropológicos, assim, os partos ocorriam na floresta, em casas específicas para o parto e quando acompanhadas eram de uma figura materna, como a mãe, avó, tia, parteira ou outra mulher, nesta medida a origem do ofício das parteiras surge como protetoras do espaço.
Mas, as coisas mudaram de lá para cá...
Atualmente, o parto é um evento socializado! Esqueceram que a ocitocina é um hormônio tímido.
E o papel da parteira ganha outros contornos. Antes ela era a mãe ou outra mulher experiente, hoje ela tem o controle do processo, guia a mulher, realiza alguns procedimentos de intervenção, como o uso de ervas, massagens, toques para acelerar o TP ou aliviar as dores da parturiente; quando as mulheres começaram a parir em suas casas o processo de socialização do parto se desenvolveu, e isso historicamente é recente, tendo início em meados do século XX, quando ainda parto era assunto de mulher e ser obstetra era usar o fórceps; ninguém, ainda, antes disso, tinha pensado no acompanhante de parto e na presença do homem nesse momento.
Foto: Acervo Espaço Aobä.
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