E, assim, tecemos essa grande rede que busca resgatar o feminino e a confiança na fisiologia de nossos corpos! Confiram a deliciosa conversa:
PARTO NO BRASIL Kalu, sabemos que a mudança de São Paulo para Minas Gerais está relacionada com a gravidez de Miguel. Conte-nos como foi este processo, da ideia ao desfecho. E também, como você avalia, hoje, tudo isso?
KALU R: Na verdade demorei um tempo para despertar minha Mamífera interior. Já tinha entrado em contato com estas informações sobre parto natural quando estava responsável pela pauta na TV Cultura. Fiz a pauta para uma matéria sobre parto humanizado. Guardei os links dos sites pesquisados em um diário. Quando minha chefe, na agência Folie Comunicação, engravidou, oferecei para ela os contatos destes sites e ela acabou mergulhando e compartilhando comigo do universo da humanização. Um ano depois eu estava grávida, no susto. Tinha um médico de família, que me atendia desde 13 anos de idade. Eu sabia das dificuldades de se conseguir um parto normal, afinal na minha família até minha avó teve cesárea. Sabia que teria que batalhar para conseguir parir meu filho. A princípio parti para um plano meio maluco: ficar mais tempo possível em casa, com uma doula e ser atendida por este médico no Hospital São Luís. Com 26 semanas fui a um encontro do GAMA. A minha chefe tinha tido a Ana Cris Duarte como doula e Dr Jorge Khun como obstetra e me indicou o GAMA. Neste encontro falei dos meus planos de parto para Ana Cris e ela me disse que minhas chances de parir com este médico eram mínimas. Saí de lá meio desesperada e fui pesquisar sobre os valores de ter um parto particular. É o preço de um carro popular. Resolvi que ia tentar parir com plantonista porque aos poucos fui percebendo que este médico estragaria meu parto e que não deixaria a doula trabalhar. Com 33 semanas fiz meu chá de bebê e foi a melhor (e pior) experiência para mim. Todo mundo me falava dos perigos de um parto normal, da maravilha da cesárea. Aquele dia eu estava fragilizada porque minha mãe tinha assumido o evento e eu não gosto que assumam as coisas por mim. Finalmente alguém me perguntou qual era meu plano de parto. Vale ressaltar que eu morava na casa dos meus pais, meu então namorado morava em Belo Horizonte. Eu achava que precisaria estar perto da minha mãe para os primeiros dias para cuidar de um recém nascido. Afinal eu não teria apoio familiar, nem de amigos em BH (afinal não conhecia ninguém). Então quando disse que meu plano de parto era ficar em casa com a doula e ir para o Hospital com uma dilatação mais avançada, meu pai disse que ao menor sinal de trabalho de parto me levaria ao hospital. Que doula nenhuma ficaria na casa dele. Foi a minha salvação e desespero final. Liguei para a Ana Cris que me deu a ideia de parir em BH, porque lá tinha o Sofia Feldman, uma maternidade pública referência em Parto Humanizado e que tinha uma casa de parto ótima. Me passou o telefone de uma doula também. Falei com Maurício, meu marido, sobre essa ideia. Ele ficou desesperado porque há muito preconceito contra SUS e um mito de que parto é perigoso. Fomos conhecer a Casa de Parto, que fica há 40 km da minha casa em BH. Adoramos a Casa de Parto e em todo momento eu pensava: nossa isso parece uma casa. Falei com uma das enfermeiras: pena que BH não tem parto domiciliar e que seja tão caro. Ela me disse que ela fazia parte de uma equipe de parto domiciliar e que cobravam mil reais. Eu fiquei maravilhada. Aí foi trabalhar com o marido que tinha medo de complicações. As enfermeiras foram lá em casa e explicaram tudo, os equipamentos que levavam para primeiros socorros. A doula, que acabei não chamando no parto, emprestou para meu marido o livro Nascer Sorrindo, do Leboyer. No final da gestação, com 37 semanas, reencontrei a Aurea Gil, que foi minha colega de infância (estudamos na mesma escola). Ela já tinha o Samuel e logo me apresentou a lista Parto Nosso e Materna_sp. Fui devorando os relatos de parto, tirando minhas dúvidas, sanando meus medos. Com 37 semanas cheguei a BH e 15 dias depois nascia Miguel, em 20 de fevereiro de 2007, em um parto que durou não mais que 40 minutos e apenas uma enfermeira conseguiu chegar (elas atuam em dupla). Foi um parto maravilhoso que me senti poderosa, dona da minha história. A mudança para BH foi o rompimento com a minha herança familiar. Foi a virada de mesa para assumir o protagonismo da minha vida. Poderia ter sido ao contrário (de BH para SP). E quando Miguel era recém nascido não precisei de ajuda alguma (só alguém para cuidar da casa, e então contratamos uma empregada). Com meu parto poderoso nasceu uma mãe segura. Assumir o protagonismo é a grande chave para a vida. Isso pode acontecer em muitos momentos da vida. E no parto é quando morre a filha para nascer a mãe/mulher.
Há 4 anos, arrumava as malas entre lágrimas e medo. Dentro e fora de mim uma nova vida a surgir. O que acumulei em 27 anos cabia em um porta malas de um corsa velho. Alguns livros, artigos de Yoga e meditação. Dentro de mim muita história. Dentro de mim uma nova vida. Com 37 semanas descobri um desejo ardente por parir em casa e uma coragem indescritível para romper com tantas verdades. Parir sozinha, em casa, a 700 km da família. Nascer como mulher, como mãe, como esposa tudo junto ao mesmo tempo agora. Mudar de estado, estado civil. Tantos lutos com tantos nascimentos. Escrever a minha história com consciëncia, coragem, perseverança e ousadia. Não sabia o que esperar de um relacionamento que existia há 1 ano. Nao sabia o que iria sobrar e se formar do incêndio da vida. E cá estou eu, mais madura, grata por mim, por meu caminho, por minhas escolhas. Como cantou Maria Betânia, acordei na noite escura para ver a lua. Brilhante e bela, escura e assustadora como a vida é.
PARTO NO BRASIL Como foi para você a decisão de ter um parto domiciliar? Que tipos de transformações a maternidade lhe trouxe?
KALU R: Eu brinco que meu parto domiciliar nasceu em 2001 quando tive uma dor de garganta com fechamento da glote que me levou a ser internada por três dias. Eu me sentia tão mal naquele hospital, com pessoas que nem me olhavam nos olhos, sem afeto, sem informação. Lembro que um dia fui passear pelo hospital e fui na maternidade (berçário) aqueles bebês sozinhos chorando atrás do vidro ativaram talvez uma lembrança do meu próprio nascimento. Eu não queria aquilo para mim, nem ser tratada como uma inválida, nem passar por uma cirurgia, nem que meu filho fosse deixado sozinho em sua chegada ao planeta. Mas, eu não sabia que existia Parto Domiciliar na cidade grande. Antes da gente engravidar a gente não sabe de nada, muito menos da profundidade que é toda essa história de parto/nascimento. Depois desta internação eu passei a fazer Yoga, me tratar com homeopatia e Reiki. Eu deixei de acreditar na medicina tradicional. Quando engravidei, apesar de ter demorado para descobrir o que eu realmente queria, minha jornada me levou para o parto mais natural possível, que é o domiciliar. Eu acho que toda mulher que pudesse deveria viver este parto. Ele é maravilhoso, incrível, transformador. Tem o cheiro da casa da pessoa, as músicas da pessoa, os objetos, cada detalhe íntimo, pessoal. É um portal de poder. Assim foi para mim. A maternidade mudou completamente a minha vida. Até então eu tinha sido programada para trabalhar e ser bem sucedida. Mas, quando eu engravidei eu vi que tinha uma responsabilidade maior: cuidar de uma vida e isso mudou o foco dos meus objetivos. Acho que quando nosso destino encontra a nossa alma o universo conspira para a realização. Jornalismo casou com maternidade, e eu com a Áurea e a Renata, pessoas que conheci na Materna_sp, assim nasceu o Mamíferas que aos poucos mostra que poderá ser até uma fonte de renda. Mudei de estado, mas como blogueira consegui um trabalho na agência que eu trabalho e trabalho em casa, o que é maravilhoso, porque estou todos os dias perto de meu filho. A maternidade me deu a chave para ajudar as pessoas, que já era um desejo meu. Fiz vários trabalhos voluntários, mas ainda não tinha achado o destino da minha alma. Quando meu destino encontrou minha alma, nasci doula. E desta paixão, a fotografia para registrar esse momento tão lindo.
PARTO NO BRASIL Quais as principais diferenças nos movimentos de humanização dos quais você participou em São Paulo, e, em Belo Horizonte? E como você percebe o movimento nacional pela humanização do parto e nascimento?
KALU R: Acho que em São Paulo temos mais doulas experientes, mais obstetrizes, mais médicos que atendem plenamente um parto humanizado. Mas, tudo isso pelo sistema privado a um valor bem alto. Em São Paulo há poucas Casas de Parto e elas são bem diferentes da Casa de Parto de Belo Horizonte. Em Sampa há mais mulheres com demanda de partos humanizados. Aqui em BH o movimento é bem mais recente e conta com a atuação da ONG Bem Nascer, da qual sou voluntária. Não existem médicos, nem pediatras que atendem em Partos domiciliares, por exemplo. Os médicos que são humanizados tem restrições. Atendem a planos de saúde, cobram um valor por fora, mas só fazem em partos hospitalares. Em contrapartida tem enfermeiras obstetras que atendem a poucos PDs. A Casa de Parto do Sofia tem sido uma alternativa para quem quer parir como se estivesse em casa. Em quatro anos que estou lá o movimento tem se intensificado. Em 2010 tivemos dois cursos de doulas. Com mais doulas atuando aumenta-se a demanda por partos humanizados. Em 2010 atendi dois PDs. Em 2011 foram dois, com mais três à vista. O mineiro é mais conservador. Mas, acho que estamos conseguindo expandir muito o acesso à informação.
PARTO NO BRASIL O quê a experiência de doula-fotógrafa tem lhe mostrado? Que tipo de situações você tem vivenciado com esses outros e novos rumos em sua carreira profissional?
KALU R:Minha experiência de doula-fotógrafa vem me mostrando que as mulheres estão acreditando mais em seus corpos e acordando para a importância das escolhas para um nascimento mais respeitoso. Acho que o grande desafio ainda é saber o limite dos médicos que nos atendem em Partos Hospitalares. Não tive boas experiências. Os Hospitais não querem a humanização. Então somos uma ilha (médico, doula, mulher) pressionados pelo sistema. Às vezes é triste ver um parto se perder por limite de um profissional. Quem perde é a mulher, o bebê e o mundo. Ser doula-fotógrafa era um hobby. Hoje já tem sido mais freqüente minha atuação, o que mostra que mais mulheres desejam um nascimento mais humanizado. Quero investir agora em equipamentos profissionais de fotografia e em cursos para aprimorar minha técnica/olhar. São rumos lindos com diferenciais. Eu estou amando seguir este caminho. Como jornalista eu descobri como posso informar as pessoas e como desejo mudar o mundo: mudando a forma de nascer, de como as pessoas encaram as dores, de como a gente favorece a fisiologia. Meus textos nascem da alma, do fundo do coração. Às vezes são ácidos e saculejam, como fui saculejada. Como doula posso fazer a informação virar ação. E como fotógrafa eu posso registrar a transformação da mulher em seu momento mais íntimo, transformador e inesquecível. Eu me sinto realizada com a minha maternagem e com a minha forma de maternar o mundo!
Fotos: Acervo Pessoal de Kalu Brum.
Linda, parabéns pela sua experiência e consciência, sou grata por ter você em Minas e em minha vida. Saúde e sucesso!
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