segunda-feira, 25 de julho de 2011

Pesquisadora destaca a necessidade de maior atenção à saúde materno-infantil


Por Vinicius Zepeda
Nos últimas décadas, o Brasil tem praticado uma forma de atendimento ao parto e ao nascimento que poderia ser mais eficiente e humanizada. O alerta é de Maria do Carmo Leal, Cientista do Nosso Estado, da FAPERJ, médica sanitarista e pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Uma das maiores especialistas do País na questão da atenção à saúde de bebês e gestantes, tema que vem estudando desde os anos 1980, ela explica que os melhores índices de resultados obstétricos e perinatais estão em países da Europa Ocidental, como Suécia, Noruega, Inglaterra, França, onde a maioria dos partos acontece de forma normal ou natural – quando não há indução de nenhuma espécie e o parto ocorre no tempo adequado para o recém-nascido, respeitando a necessidade de maturação e desenvolvimento dos fetos dentro do útero. "Muito diferente do modelo que adotamos no Brasil, que é bastante intervencionista, chegando mesmo a colocar o País na péssima condição de ser o detentor das maiores taxas de cesárea do mundo", afirma Maria do Carmo. Segundo a pesquisadora, é preciso recuperar as práticas de partos naturais. "Na Europa Ocidental, o índice de mortalidade de bebês chega a ser três vezes menor que o brasileiro. Já no caso da mortalidade materna, o índice europeu chega a ser dez vezes menor que o brasileiro", complementa.
A pesquisadora, que recentemente deixou o cargo de vice-presidente de Ensino e Pesquisa da Fiocruz, explica que a cirurgia cesariana é uma excelente tecnologia que salva vidas de mães e bebês, mas quando é feita sem indicação deixa de ser benéfica e passa a representar riscos. "No Brasil, a maioria dos partos operatórios ocorre por escolha do médico e da gestante, sem indicação ligada à presença de qualquer patologia materna ou fetal", afirma. Maria do Carmo, porém, destaca que vários estudos internacionais vêm mostrando os riscos associados ao parto cesáreo para a gestante e o recém-nascido, quando não há indicação clínica, tais como maior probabilidade de o recém-nascido precisar de suporte ventilatório, ida para a UTI neonatal, dor e desconforto imediatos, adoecimento e óbito durante o primeiro ano de vida dos bebês. "No caso das mães, aumenta-se a chance de problemas de inserção da placenta e ruptura do útero nas futuras gestações", acrescenta.
Para conhecer a realidade brasileira, está em curso um estudo nacional denominado "Nascer no Brasil: Inquérito Nacional sobre parto e nascimento", sob a coordenação de Maria do Carmo Leal. Apoiado pelo Ministério da Saúde e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o estudo entrevistará 24.000 mulheres que pariram recentemente em hospitais públicos e privados, em todas as capitais e o interior de todos os estados brasileiros. "Previsto de completar a coleta de dados em dezembro desse ano, esse estudo permitirá uma avaliação dos resultados perinatais – períodos imediatamente anterior e posterior ao parto – de acordo com a modalidade de parto praticada", acrescenta.
Maria do Carmo Leal chama ainda a atenção para a necessidade urgente de reduzir as taxas de mortalidade infantil e materna no País. "O Brasil assumiu um compromisso com os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) – conjunto de oito metas firmadas pelos 191 Estados membros da Organização das Nações Unidas (ONU), em 2000, com vistas à redução das desigualdades mundiais até 2015 – mas não deverá cumprir a meta estipulada em relação à mortalidade materna, o que se constituirá uma vergonha para o País", afirma. Segundo a pesquisadora, os dados também estão associados ao modelo de atenção ao parto e nascimento que adotamos, pois, hoje, 97% dos partos ocorrem dentro dos serviços de saúde, segundo as estatísticas oficiais. "O modelo intervencionista de atenção obstétrica não se refere somente às cesáreas, mas diz respeito também ao uso indiscriminado de ocitocina, episiotomia e outras intervenções desnecessárias e não mais recomendadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS)", complementa.
Com apoio da FAPERJ, a médica sanitarista concluiu um estudo sobre a qualidade do atendimento pré-natal nas unidades públicas do município do Rio de Janeiro. "Com elevadas coberturas de atendimento ao pré-natal, atingindo, pode-se dizer, a totalidade das mulheres grávidas, o município do Rio de Janeiro ainda tem problemas incompatíveis com a extensão de cobertura que oferece. Por exemplo, uma taxa excessivamente alta de sífilis congênita", afirma. O estudo procurou entender onde estavam as falhas nos processos de atenção e procurou identificá-las em três componentes: gestantes, profissionais de saúde e infraestrutura dos serviços de saúde. "Comparecendo regularmente às consultas pré-natais marcadas no decorrer da gravidez e seguindo, na medida do possível, as recomendações médicas, as mães foram as que melhor cumpriram sua parte", recorda a pesquisadora. Já os profissionais de saúde foram os que mais falharam. "Observamos que falta uma melhor formação para eles se comunicarem com a população. Se o médico ou enfermeiro não interagem com as mães, não dialogam porque certos comportamentos devem ser evitados, não orientam sobre os alimentos que são mais adequados, que medicamentos são necessários e como usá-los, não se terá a adesão dessa mãe desinformada", explica. Segundo a pesquisadora, vários estudos têm mostrado que o entendimento do uso do medicamento receitado é muito baixo. "Além disso, a falta de diálogo entre médico e paciente torna grande o uso incorreto, principalmente quando há desnível educacional e a paciente tem vergonha de perguntar o que não entendeu", complementa.
Outro problema identificado no estudo refere-se ao funcionamento do SUS para o atendimento pré-natal, em que se constatou atraso na disponibilização dos resultados de exames de rotina. "De que adianta fazê-los se eles não são disponibilizados em tempo hábil? O problema, identificado no Rio, está presente em outros lugares", destaca a sanitarista. Segundo Maria do Carmo, o que temos hoje no SUS é a instalação de várias facilidades diagnósticas e de infraestrutura para suporte, por exemplo, uma boa assistência pré-natal, mas sem velocidade nos processos para que o investimento feito redunde em proteção efetiva às mães e recém-nascidos. "A dificuldade de comunicação entre os profissionais de saúde e os pacientes é outro problema dessa mesma natureza. Esse ajuste fino é o nosso desafio atual", explica. Para ela, o enfrentamento dessas mudanças não poderá ser feito isoladamente pelos serviços de saúde. "Será necessário uma revisão na formação do profissional de saúde, que atualmente não está saindo da universidade preparado para realizar bem a sua tarefa de atender a população", destaca.
A edição de maio de 2011 da revista inglesa The Lancet, uma das publicações médicas mais influentes do mundo, publicou pela primeira vez na sua história, um número falando somente sobre o sistema de saúde e a saúde do brasileiro. Pesquisadores de todo o País traçaram, em artigos, um panorama sobre o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS) com base em um extenso estudo de documentos existentes. Na publicação, Maria do Carmo Leal apresentou, em conjunto com outros pesquisadores, a situação da saúde materno-infantil no Brasil. Para ela, a discussão na renomada revista inglesa foi uma oportunidade enorme e o reconhecimento dos esforços feitos pelo País na área da saúde. "Com a revista, pudemos mostrar ao mundo que temos um sistema de saúde e que, com qualidades e insuficiências, estamos avançando na direção correta de oferecer uma atenção à saúde pública e gratuita para todos os brasileiros", afirma a pesquisadora.
Um dos pontos abordados em seu artigo diz respeito ao número abortos praticado no País. Maria do Carmo explica que, em 2008, o SUS contabilizou 215 mil internações de mulheres em hospitais públicos, decorrentes de complicações de abortos feitos no País. Estima-se que o número de abortos, resultante da soma dos contabilizados oficialmente e dos feitos ilegalmente é cinco vezes maior, chegando à cifra de um milhão. Em vista desses fatos, a pesquisadora se mostra pessoalmente favorável à legalização do aborto. No Brasil a legislação só permite no caso de estupro ou de feto anencéfalo (sem cérebro). Neste último caso, porém, somente depois de autorização judicial. "O aborto ilegal, como é praticado pelas mulheres mais pobres em clínicas clandestinas, é uma chaga em nosso País. Ele maltrata e humilha a mulher, além de ser a quarta maior causa de mortalidade materna no Brasil, só perdendo para hipertensão, infecção generalizada (septicemia) e hemorragia", afirma. "Enquanto as mulheres ricas fazem abortos pagos em clínicas particulares de maneira segura, as pobres estão sujeitas a infecções e ao risco de infecções e da própria vida", acrescenta.
Apesar das dificuldades ainda enfrentadas na área da saúde, a médica identifica como muito positiva a busca de soluções para problemas crônicos na gestão do SUS. Entre os exemplos, ela cita o maior investimento nos Programas de Saúde da Família, nas capitais e cidades de grande porte, como vem acontecendo no Rio de Janeiro, e o desenvolvimento do Rede Cegonha – projeto do Ministério da Saúde, lançado no final de março de 2011, que pretende reunir um conjunto de medidas para garantir a todas as brasileiras, pelo SUS, atendimento adequado, seguro e humanizado desde a confirmação da gravidez, passando pelo pré-natal e o parto, até os dois primeiros anos de vida do bebê. "Com essas iniciativas, espero que no futuro as crianças possam nascer de forma mais humanizada, sem aceleração de seu processo de maturação. Que nasçam quando, de fato, avisarem que estão prontas para chegar", conclui.
Fonte: FAPERJ - http://www.faperj.br/boletim_interna.phtml?obj_id=7379
* Ilustração de Paulica Santos.

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