terça-feira, 30 de agosto de 2011

‘Aguenta sim, aguenta, ela soube fazer’


Neste último domingo, dia 28, o Fantástico, da Rede Globo, exibiu uma matéria sobre a questão da mortalidade materna, e como hospitais e maternidades, especialmente das regiões mais afastadas e empobrecidas do Brasil, sofrem c/ o descaso na saúde pública. Como fruto temos, ainda, altos índices de mortes entre gestantes e neonatos, s/ contar a violência institucional sofrida por estas mulheres, que enfrentam, também, profissionais despreparados e a saúde sucateada!
Leiam, na íntegra, o assunto:
Meu parto para mim foi um horror, um terror. Às vezes, as pessoas me perguntam: ‘Você quer ter filho de novo?’ A resposta é sim. Mas, por trás do sim, fica o medo de passar tudo isso de novo”, lamenta Taciana.
PE: Hospital não tem obstetra no fim de semana
Na semana passada, a ONU condenou o Brasil por violação dos direitos humanos depois da morte de uma jovem grávida, no Rio de Janeiro.
Na semana passada, a ONU condenou o Brasil por violação dos direitos humanos depois da morte de uma jovem grávida, no Rio de Janeiro. Poucos dias depois, em Belém, uma outra jovem perdeu os filhos gêmeos após ter o atendimento recusado em dois hospitais. E no interior de Pernambuco, o Fantástico descobriu que existe uma cidade onde os bebês só "podem" nascer entre segunda e quinta-feira.
Nesta semana, uma jovem perdeu os filhos gêmeos após ter o atendimento recusado em dois hospitais de Belém. E o Fantástico foi ao interior de Pernambuco contar a história de outra mãe, que acompanhou a filha em trabalho de parto, sem obstetra, durante 18 horas. A menina e o bebê morreram.
“Eu falei: ‘Mainha, foi meu filho, meu filho morreu, não foi? Ela respondeu: ‘Você tem que aceitar, porque o que Deus faz a gente tem que aceitar’. Mas eu não aceito perder meu filho assim”, lamenta a dona de casa Taciana Maria da Silva Gomes.
Maria de Lourdes Alves da Silva, também dona de casa, conta como tudo aconteceu: “Me perguntaram: ‘É você que é a mãe da Marcela? Sinto muito, mãe. Mas o bebê dela morreu, e ela está com hemorragia".
“Ele disse a ela assim: ‘Quando você está com problema de vista, minha filha, você procura um oculista ou um açougueiro?’ Você se lembra que você disse isso a ela?, pergunta Ana Luiza Carvalho Silva.
“Eu quis dizer que quando a pessoa precisa ter um parto, tem que procurar um obstetra. Aqui não é maternidade”, explica o clínico geral José Maurício Leite.
“Nós estamos aqui abandonados”, diz a professora Maria José da Silva.
O Fantástico foi a Barreiros, a 110 km da capital de Pernambuco. Na cidade, a tristeza de avós sem netos e as roupinhas de bebê sem uso são a face mais dolorosa do caos na Saúde . Marcela foi a vítima mais recente. Pouco antes do parto tudo parecia bem.
“Ela escutou a barriga da menina, disse que o menino estava mexendo. O coração dele também, bulindo e muito na barriga dela” conta a mãe de Marcela.
Mas, na Casa de Saúde João Alfredo, o trabalho de parto acompanhado por uma parteira se complicou. “Ela gritava muito, muito mesmo. Dizia que não estava aguentando mais”, conta a mãe de Marcela.
E o pior é que era sexta-feira. Pela escala, bebês em Barreiros só podem nascer de segunda a quinta.
“Nós não temos obstetra no final de semana, sexta, sábado e domingo”, conta o médico José Dhália da Silveira.
Encontramos o médico que foi chamado às pressas para ajudar no parto de Marcela. Ela estava sofrendo havia 18 horas.
“Eu cheguei e a mulher tinha parido há uns 20 minutos, tinha parido o feto morto. Faltava anestesista, faltava sangue, faltava outro médico para ajudar. Não tinha nada disso. Só tinha eu, quando eu cheguei lá. Eu não podia fazer nada”, contou José.
O sistema de Saúde em Barreiros já não era bom e piorou em 2010, quando as enchentes de inverno destruíram o hospital público. A cidade passou então a viver uma situação absurda: há médicos sem hospital e um hospital onde falta médico.
O secretário de Saúde Elídio Moura relata: “O município vive, desde junho de 2010, uma situação de guerra. A partir do momento que nossa rede de saúde foi completamente dizimada.
Agonizando, Marcela foi transferida para o Hospital Dom Helder Câmara, a quase uma hora de Barreiros, mas a tentativa de retirada do útero para conter a hemorragia também aconteceu tarde demais. O diretor do hospital, Audes Feitosa, justificou: “Se a gente conseguisse abreviar o tempo do atendimento do início do sangramento para realizar a histerectomia, talvez o resultado pudesse ser outro”. Marcela morreu aos 21 anos.
Taciana, aos 20, perdeu o primeiro filho, também na Casa de Saúde de Barreiros. Em um dia em que não havia obstetra.
“Quando foi oito horas da manhã, eu ainda lá, sangrando, perdendo muito sangue, já não tinha mais líquido. Minha mãe disse: ‘Minha filha não vai mais agüentar’. Então disseram ‘Aguenta sim, aguenta, ela soube fazer’.
Novamente chamado às pressas, o médico tirou o bebê já quase sem vida. Ele lutou por três dias, mas não resistiu. Taciana lamenta: “Meu primeiro filho, era meu sonho, era um menino. Meu filho ir embora assim. Sofrer tanto e não poder estar aqui comigo”.
Nesta semana em Belém, um casal também deixou a maternidade sem os filhos. Wanessa e Raimundo esperavam gêmeos. “Era nossa vida. Era um plano que a gente tinha com os dois”, conta o pai.
Grávida de sete meses e sentindo dores, Wanessa procurou a maior maternidade do estado na terça-feira (23). Foi barrada na porta. Raimundo buscou socorro no Hospital das Clínicas, mas lá também não conseguiu atendimento.
Wanessa ficou na calçada durante uma hora e meia. Um dos bebês nasceu na ambulância durante a volta para a Santa Casa. O parto do outro foi feito no hospital. Os dois nasceram mortos.
“Morreram do lado de fora, ninguém socorreu meus filhos”, conta o pai.
“Nenhum médico. Tanto aqui como no HC, o Hospital das Clínicas. Nenhum médico veio me ver, e eu fiquei lá na calçada do HC com dor”, lembra a mãe.
A direção da Santa Casa foi afastada e a polícia vai investigar se houve omissão de socorro.
São histórias que mostram como o Brasil está longe de alcançar o compromisso assinado com as Nações Unidas. A meta é reduzir a mortalidade materna para 35 em cada 100 mil nascimentos até 2015. Ainda morrem cerca de 75 mulheres para cada 100 mil nascimentos.
Há menos de duas semanas, o Brasil foi responsabilizado pela morte de outra grávida. Alyne da Silva Pimentel procurou uma casa de saúde em Belford Roxo, reclamando de vômito e dor abdominal. Ela recebeu remédios e foi mandada de volta para casa. Dois dias depois, os médicos notaram que o coração do bebê já não batia.
A Mãe de Alyne, Maria de Lourdes da Silva Pimentel, contou: “Na hora da visita, eu cheguei lá e ela chorava e falava: ‘Mãe, não está tudo bem, não’. O médico falou que o meu neném está morto e que ele vai fazer o meu parto’”. Alyne morreu três dias depois em outro hospital.
“Alyne representa várias outras mulheres que faleceram na mesma circunstância. Então, é assim: Olha, Brasil, você não está cumprindo suas normas, suas regras e tampouco as regras internacionais de que você pactuou, de que você é membro e que tem a obrigação de fazer”, explicou a coordenadora da ONG Advocacy, Gleyde Selma da Hora.
Assista aqui o vídeo desta matéria!
Vale a reflexão: até quando outras mulheres e seus filhos/as irão morrer?!

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