O nascimento é uma operação simples nos países com menores taxas de mortalidade e de complicações pós-parto, como Japão, Holanda, Inglaterra e Suécia. Já o Brasil sofre excesso de medicalização: as maternidades privadas parecem hotéis ou empresas. São raros os obstetras que "permitem" à mulher assumir a posição que quiser para dar à luz.
A simplificação desse atendimento começou na Europa e nos Estados Unidos e veio para o Brasil nos anos 1950. Hoje, 80% dos partos realizados nas maternidades particulares e 27% dos realizados nas maternidades públicas são cesáreas, contrariando a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) de não ultrapassar a taxa dos 15%.
Mas, mesmo com toda a tecnologia dos hospitais, a cesárea ainda é considerada uma intervenção de risco. Não é à toa que existe um movimento pela retomada do parto natural promovido por obstetras preocupados com o excesso de medicalização e por grupos de mulheres que reivindicam melhores condições para ter seus bebês.
“Quando bem utilizada, a tecnologia reduz efetivamente a morte de mães de bebês, mas o excesso de intervenções acaba gerando mais malefícios que benefícios”, diz a médica epidemiologista Daphne Ratter, professora do Departamento de Saúde Coletiva da Universidade de Brasília, que alerta para a ocorrência de uma inversão. “Quando se ultrapassa e se começa a utilizar uma tecnologia indicada para casos de risco em pessoas que não têm risco nenhum, o mais provável é que se induza ao surgimento de um problema onde ele não existia.”
Na verdade, há várias técnicas graduais de parto amigável e participativo para mulheres que desejam compartilhar o nascimento dos seus filhos.
Leboyer
O obstetra Frédérick Leboyer, ainda ativo na França, foi um dos pioneiros na defesa de uma forma menos violenta de nascer e da importância do vínculo mãe-filho no parto. Introduzido no Brasil em 1974 pelo médico Claudio Basbaum, do Hospital São Luiz, em São Paulo, o parto Leboyer é feito com pouca luz, muito silêncio e massagem nas costas do bebê, que não recebe a famosa palmada “para abrir os pulmões”. Além disso, o primeiro banho é feito próximo à mãe e a amamentação precoce é estimulada. O foco é o recém-nascido.
Nesse tipo de parto, a mulher continua deitada de costas, com as pernas apoiadas em estribos, e é realizada a episiotomia, uma incisão no períneo (a região muscular entre a vagina e o ânus) para ampliar o canal do parto, em geral com anestesia local.
De cócoras
Sob o foco da liberdade de movimentos para as mulheres, o parto de cócoras ou ativo é bem aceito. Mais rápido, dado o auxílio da gravidade, é mais saudável para o bebê e evita a compressão de importantes vasos sanguíneos, o que acontece com a mulher deitada de costas. Agachada, ela pode se apoiar nos ombros e nos braços do companheiro, que exerce papel decisivo tanto físico quanto psicológico.
A técnica é indicada para mulheres que tiveram gravidez saudável, sem problemas de pressão e também se o feto estiver na posição cefálica correta (com a cabeça para baixo). O médico curitibano Moysés Paciornik (1914-2008) promoveu essa modalidade no Brasil inspirado nas índias da tribo caingangue. Juntamente com seu filho, Cláudio Paciornik, inventou uma cadeira para ser usada em hospitais que permite várias posições para a mãe.
Em Londres (Inglaterra), a educadora perinatal Janet Balaskas lidera um movimento pelo parto ativo trabalhando com gestantes em aulas de ioga. Após anos de prática, ela observa que depois da preparação física e psicológica raramente ocorrem depressões pós-parto, problemas com a amamentação ou com a recuperação da parturiente. Para Janet, a grávida tem de esquecer o calendário de papel e se concentrar no calendário do seu corpo.
Protagonismo
Para o Ministério da Saúde, “parto humanizado” significa o direito de toda gestante passar por pelo menos seis consultas de exame pré-natal e ter seu lugar garantido em um hospital na hora do parto.
Para a Rede Brasileira pela Humanização do Nascimento e ONGs como Parto do Princípio (São Paulo, SP), Bem Nascer (Belo Horizonte, MG) e Despertar do Parto (Ribeirão Preto, SP), trata-se de devolver à mulher o protagonismo do parto, “fortalecendo a capacidade de parir”, enfatiza a médica Daphne Ratter. Os defensores do movimento entendem a gestação e o parto como eventos fisiológicos perfeitos, nos quais apenas 15% a 20% das gestantes apresentam problemas, necessitando de cuidados especiais. Cabe ao médico acompanhar, interferindo em caso de real necessidade.
Na água
“Para mudar o mundo é preciso mudar a forma de nascer”, diz o obstetra francês Michel Odent, teórico do parto humanizado. Precursor do home-birth (parto domiciliar) e do parto na água, praticado em banheiras especiais ou improvisadas, o obstetra introduziu a utilização das piscinas aquecidas nas maternidades, permitindo que as mulheres parissem acompanhadas.
Estudos científicos comprovam que o uso da água quente combate a tensão e a dor e ajuda na dilatação do colo do útero. O bebê nasce de forma mais suave e o períneo da mãe ganha maior flexibilidade. Segundo Odent, durante o processo de parto, tanto a mãe como o bebê atingem taxas hormonais específicas ao mesmo tempo. Todos esses hormônios, antes de serem eliminados, têm uma função muito particular imediatamente à primeira hora após o nascimento. Esse início de vida é o momento chave, o que acontece pode vincular bem a mãe ao bebê, ou não.
Natural, sem dor
Com a popularização das questões ecológicas e a retomada de uma vida mais saudável e espiritualizada, muitas mulheres passaram a optar pelo parto natural. Quase idêntico ao normal, ele dispensa intervenções como anestesia e indução. O médico apenas acompanha a movimentação da mulher, no hospital ou em casa.
O parto normal é a forma convencional de dar à luz, mas não precisa ser doloroso. Anestesias como a peridural e a raquidiana aliviam as dores sem impedir que a mãe participe. A anestesia bloqueia a dor, mas também diminui as sensações das pernas e do assoalho pélvico, responsáveis pela força que a mulher faz na hora de “empurrar” o bebê. Comparado com a cesariana, o parto natural evita complicações como hematomas, dores pélvicas e infecções e diminui muito o tempo da recuperação.
Parto sem dor é um termo que remete aos métodos psicoprofiláticos (que usam a palavra como anestesia). Eles propõem treinamento preparatório às gestantes, baseado em técnicas respiratórias, de relaxamento e de concentração. Um dos mais conhecidos é o Lamaze, que surgiu na Rússia e foi difundido por todo o mundo pelo médico francês Fernand Lamaze.
Não há dúvida de que uma mulher bem preparada e bem acompanhada durante todo o processo, entendendo o mecanismo simples do nascimento, pode ter muito menos dor do que uma mulher assustada e tensa.
Box
A índia shawãnaua Francisca das Chagas, 59 anos, mora no vale do Juruá, no Acre, e é parteira tradicional. Desde 2006 ela vem a São Paulo divulgar seu trabalho e experiências e realizar partos. Com 11 filhos e 10 netos, todos nascidos sob suas mãos, Francisca aprendeu com os pais e os avós o ofício de ajudar a nascer, junto com o preparo e o uso medicinal das plantas da floresta amazônica.
Começou com 15 anos, na aldeia, fazendo o parto da cunhada. Desde então, trabalha para melhorar a saúde e a qualidade de vida das gestantes e dos membros da comunidade.
Enquanto faz massagens na barriga das parturientes, ajeitando o nenê, Franscisca conversa com ele: ”Você ajude a sua mãe para ela ter um parto feliz e você ser feliz também.”
Francisca explica que no parto de cócoras, com o marido segurando por trás, “o nenê desce mais rápido, não é como a mulher deitada na maca do hospital.”Nessa posição, quando dizem para ela fazer força, em vez de a força ser para baixo, é para cima. O médico diz que ela não tem força e aí corta, mas ela tem força, sim. Só não está na posição correta.”
Durante a gestação, a parteira receita banhos de assento feitos com folhas do algodão roxo e de capeba, que a mãe deve tomar até entrar em trabalho de parto, para ajudar na dilatação do útero. A partir do sétimo mês, ela também deve começar a tomar florais, como o da vitória-régia, que ajuda a lidar com o medo e a ansiedade, reforçando sua resistência física e emocional.
Fonte: Revista Planeta - http://www.terra.com.br/revistaplaneta/edicoes/469/artigo240219-1.htm
Nenhum comentário:
Postar um comentário