Para mim, apesar de respeitar as opiniões diversas, continuo a considerar o protagonismo como o cerne conceitual da questão da humanização. O resto me parece sofisticação de tutela; quando este ponto não é valorizado ou ressaltado nenhum "acessório" poderá lhe definir de maneira firme e abrangente.
Identificação de necessidades, ambiência, valorização dos profissionais, etc... tudo secundário. Sem o respeito à autonomia seremos apenas escravos bem tratados. E, ainda na minha modesta opinião, creio que o grande mal desta "condescendência ideológica" que parece querer agradar a gregos e baianos, é o paraefeito que aparece quase que naturalmente no discurso dos benevolentes e bondosos:
"Uma mulher que, sendo respeitada em sua autonomia e processo pessoal de parir, que informada sobre as reais indicações para cesárea, tendo uma assistência solidária, TEVE UM PARTO HUMANIZADO, ainda que a cirurgia tenha sido necessária." Se o nosso objetivo é humanizar o nascimento, podemos fazer isso lutando por melhores cesarianas. Os partos são apenas questões secundárias. Podemos empoderar as mulheres e depois que elas tiveram uma cesariana dizer que tiveram "partos humanizados", desreconhecendo a importância que esse evento exerce no corpo e na alma das mulheres e seus filhos. Ainda sobre o protagonismo como pedra angular da humanização do nascimento, trago este texto do próximo livro de Maximilian, a ser lançado em breve: “(...) O encontro médico-paciente é um encontro entre pessoas, onde fluem energias afetivas que compõe o cenário terapêutico. Negar esse fenômeno é cegar-se à própria essência do processo de cura onde, muito mais do que drogas e intervenções, operam os processos amorosos e afetivos que permeiam o evento. Médicos podem "atar" seus pacientes em transferências sado-masoquistas, ou aprisioná-los em medicamentos e terapias, mas somente quando estes se sentem livres é que a cura pode ocorrer. Não existe terapia verdadeiramente frutuosa que não remeta o paciente a libertar-se do seu egoísmo, de suas dores, culpas, ódios e rancores. A medicina, tal qual os desesperados protagonistas, por vezes procura forçar o bem estar, a despeito da autonomia e da vontade de quem se serve dela, desconsiderando o paciente como legítimo condutor de seus desígnios.” "Liberdade é nossa meta última". "O seu amor, ame-o e deixe-o livre para amar", diziam os doces bárbaros. Não existe relação verdadeira sem a liberdade de escolher. Não existe verdadeira humanização do nascimento sem protagonismo.
Entretanto, cabe dizer, o que fazer daqueles que OPTAM pelo cativeiro por se julgaram inaptos para a liberdade, e que se jogam nas mãos dos algozes para, abrindo mão da autonomia, encontrarem pelo menos a segurança que almejam?
Esta é uma questão que se responde com educação e informação, pois só elas levam à descoberta das alternativas para a alienação. No cenário do nascimento humano, apenas a possibilidade de oferecer às mulheres o controle sobre seus corpos poderá lhes "salvar" da tragédia da sua anulação enquanto sujeitos. Nenhuma "sofisticação de tutela", por mais dedicada que seja (como age a medicina tecnocrática), será capaz de resgatar as mulheres da "inanição" de um cárcere de si mesmas. O modelo patriarcal, com o qual convivemos, precisa descobrir as alternativas para resgatar a essência profunda das relações, nem que para isso precise rever os próprios alicerces que o sustentam. Uma sociedade em que se busque incansavelmente a liberdade e a justiça como metas é o destino que nós mesmos precisamos construir. Talvez estejamos mesmo vislumbrando o ocaso de um modelo baseado na conquista e na submissão, assim como nas ilusões racionalista e positivista que permeiam tanto as relações pessoais quanto a nossa medicina autoritária.
Certamente que muito ainda há que ser construído, mas não acredito em nenhum norteamento diferente do rebentar dos grilhões e do arrancar de mordaças. Porque não há futuro sem liberdade, e esta jamais é oferecida, pois é da sua essência ser conquistada (...)”.
Texto do Dr. Ric Herbert Jones, ginecologista obstetra e homeopata, natural de Porto Alegre/RS, extraído da lista virtual Parto Nosso, em debates acerca da humanização do parto em dezembro de 2009 – janeiro de 2010.
Foto de Silmara Guerreiro quando Rudá ainda estava em meu barrigão, com 38 semanas.
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