quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Parto normal


14 de maio de 2008
Pari. Dia 10 de abril. Sou contra ficar falando da própria intimidade; sobre filho, então, tenho horror. Não sei bem o que me faz tocar nesse assunto agora, mas aí vai... Antes de ter filhos, eu não sabia disso, mas existe uma tensão muito grande com relação a ter, ou não, um parto normal. Para algumas, e eu sou uma delas, não faz muita diferença. O que eu desejo é ver o bichinho do lado de fora, respirando. Eu nasci de cesariana, dois anos depois de meu irmão, que levou doze horas para nascer e teve de ser arrancado a fórceps. Então, lá em casa, a cesárea sempre foi bem-vinda. Eu sei que o Brasil é campeão mundial de cesarianas, feitas na maioria das vezes sem a menor razão, apenas por conveniência médica, vantagens no retorno financeiro do plano de saúde, ou por motivos idiotas, como escolher a arregimentação astrológica perfeita para o mapa astral do filho, ou até a proximidade do fim de semana. O mesmo tipo de insanidade que levou gerações e gerações a trocar o peito pelo leite em pó: o lucro, a ignorância e a comodidade. Portanto, eu respeito muito todo e qualquer incentivo ao parto normal no Brasil. A natureza, com seus milhões de anos de evolução, sempre foi a melhor opção, não tenho dúvida. Só acho que existem distorções do outro lado.Muitas vezes, quando digo que fiz cesariana, algumas moças que tiveram seus filhos de parto normal e se orgulham imensamente disso me olham com pena. O mesmo olhar do Michael Pilan, do Monty Python, no filme A Vida de Brian, quando o carrasco romano pergunta quase envergonhado para a fila de condenados judeus: "Crucificação? Sim... por favor, à esquerda...". Outras moças, quando respondem que fizeram cesárea, abaixam os olhos com angústia, como se não tivessem sido realmente mães, e respondem com voz embargada: "Mas eu senti tudo...", como quem dá uma desculpa fiada, um último pedido de piedade para que não a condenem por ter falhado como mulher. Isso não pode, isso não está certo. É injusto! Levar uma vida inteira para botar uma criança no mundo e ter um sentimento de falência porque não saiu como planejado, ter vergonha porque não pariu como manda a natureza! Ninguém merece, nem as moças, nem os filhos das moças. Essa é uma forma estranha de vaidade.
Pode ser que seja recalque meu. Não pari pelos caminhos naturais, mas isso não me causa sentimento de perda ou fracasso. Dizem os estudos que, entre todos os animais da Terra, a mulher sapiens é das que mais sentem dor ao parir. Tudo por conta de sermos bípedes e termos desenvolvido essa cabeça tão grande para pensar melhor. Bebês cabeçudos e quadris estreitos, uma combinação complicada. Para resolver a questão, a natureza fez com que paríssemos bebês prematuros, se comparados com qualquer bezerro, que mal nasceu e já está andando. Para criar nossos bebês indefesos, inventamos coisas tão incríveis como a família e o amor conjugal. Mais tarde, usamos nossa cabeça grande para criar outras coisas impressionantes, como a ciência, a política, a arte e a religião. Tudo isso nos é natural. Os avanços da medicina também fazem parte da mãe natureza e têm ajudado muitas mães a colocar filhos amados no mundo. Sofrer por vaidade não fica nem bem para uma mãe.
Crônica de Fernanda Torres

2 comentários:

  1. Ai gente, recalques à parte, eis minha impressão.
    O texto fala em sofrimento, e em sofrimento por vaidade...
    Queria só ver o relato de uma Fernanda Torres pós-parto sem drogas e cortes. Aposto que leríamos ondas, aperto, paixão, fogo, ardor...!

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