quinta-feira, 15 de julho de 2010

Não bata, eduque

O ano? 2010. A campanha? Esta: “Não bata, eduque”. Ela é parte de uma ação que tem como peça legal uma especificação em relação ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A especificação diz respeito a uma legislação recém assinada pelo Presidente Lula, que define que a proibição aos “maus tratos” à criança inclui até mesmo a convencional “palmada pedagógica”.
Sendo assim, o Brasil dá passos no sentido de entrar na modernidade em mais um setor, o da punição infantil. Bem, isso é verdade ao menos se pensarmos que a modernidade é a que foi descrita pelo filósofo francês Michel Foucault: a cada dia colocamos mais tijolos na construção de instituições cujo papel é nos tornar mais suaves, isto é, instituições fomentadoras de relações de poder que visam antes a alma que o corpo. Lula obedece a esse destino. Com essa nova legislação, pais, professores e outros que cuidam de menores vão ter de redobrar a atenção e a paciência, caso não queiram sofrer conseqüências que incluem até mesmo a prisão.
Assim, derruba-se de uma vez por todas, no Brasil, um dos princípios básicos da educação vigente em boa parte do mundo. Sim, pois a legalidade da punição física no lar, na escola e no sistema penal não é coisa de um passado distante. Uma boa das nações trata a punição física de crianças antes como parte inerente ao processo educacional que um elemento de exceção utilizado como “último recurso”. Portanto, sendo assim, a legalidade da punição física, em vários lugares, está longe de ser questionada.
Nos Estados Unidos, como é de praxe, a discussão sobre o assunto é acirrada. Atualmente, pode-se dizer que o país está dividido, com metade dos estados proibindo ou tentando proibir a punição física na escola e no lar, enquanto que a outra metade se põe, em certo sentido, contrária à proibição. No Brasil, algum tipo de punição física é vigente e permitida em todas as três instâncias, sendo que a legislação assinada pelo presidente Lula, em 14 de julho de 2010 (exatamente neste momento em que escrevo), visa colocar o nosso país em uma situação totalmente inversa nas três instâncias consideradas. Busca-se o fim definitivo e claro de qualquer ato punitivo que vise antes o corpo que a alma.
(...) quando nos colocamos no lugar das crianças castigadas ou, ainda, quando interpretamos Foucault, não temos como não nos colocar ao lado dessas medidas anti-punição física. Todavia, sabemos muito bem que nem todos que defendem um castigo físico do tipo da “palmada pedagógica” são incultos, bárbaros ou, então, intelectuais ligados a uma psicopedagogia arcaica. Vários, são filósofos cuja visão sobre a modernidade não inclui os mesmos pressupostos de Foucault. São os que entendem que a modernidade pode até ampliar a suavidade, mas, enfim, não sem um preço, que é a ampliação da crueldade por meio da indiferença, da insensibilidade.
O filósofo alemão Theodor Adorno, perguntado sobre o que faria com uma criança que arrancou as asas de um inseto, não hesitou em afirmar que daria um bom tapa na mão do garoto. Seria pouco inteligente jogar nas costas de Adorno qualquer cultivo da frieza ou crueldade ou impaciência. Adorno tinha uma justificativa teórica bem arrumada para dizer o que disse. Dependendo da idade do menino, haveria outro tipo de punição? Haveria outro tipo de “marca” possível, que resultasse para a criança realmente uma censura à sua crueldade? Não se estaria aí, com o tapa, tentando dizer para a criança algo como “veja como a dor corporal é indesejável”, mas de uma forma capaz de marcar o momento e se fazer entender pela criança pequena?
A despeito de Adorno, parece que a lei de Lula será vencedora. (...) notamos que os países mais ricos, ao menos na entrada do século XXI, adotaram a postura da “punição física zero”. Toda e qualquer punição corporal, mesmo a mais tênue, foi assumida por esses países como alguma coisa cujos benefícios jamais superariam os prejuízos. Assim, do ponto de vista pedagógico imediato, tudo indica que logo não teremos nenhum argumento a favor da punição física. Mas, do ponto de vista filosófico, o assunto não estará encerrado. Pois, dessa perspectiva, há mais coisa em jogo, inclusive situações criadas pelo raciocínio filosófico de levar ao limite o instituído.
Utilizando o raciocínio de levar ao limite, uma vez terminado todo e qualquer castigo físico, em que estaríamos vivendo? Ora, teríamos que o contato do adulto com a criança não passaria mais pelos corpos, ou porque isso seria uma violência explícita (o tapa) ou porque estaria escondendo uma posterior violência de ordem mais complexa (o abuso sexual). Em termos filosóficos, ou seja, a partir de uma situação em que podemos imaginar possibilidades extremadas, seria difícil ver uma sociedade assim, de anjos, isto é, de pessoas incapazes de terem corpos, como uma sociedade feliz.
Podemos acreditar que a dor vinda da punição física comedida, como a “palmada pedagógica”, está longe de ser algo do campo da humilhação e da violência. Podemos, inclusive, temer que se as crianças crescerem privadas da experiência da dor física punitiva, ou seja, virgens do ponto de vista da experiência da dor quando elas criam a dor do outro, estaremos ao final sob o império do não-sentido. Geraríamos, então, uma população inteira de adultos incapazes de se identificarem com o sofrimento alheio que, enfim, continuaria a existir no mundo dos adultos. Uma sociedade assim não tenderia a ser altamente cruel? Não teríamos uma sociedade sujeita à violência aparentemente inconseqüente, como se tudo não passasse de um cenário para o Coyote e o Papa Léguas?
Mas a aposta da legislação não é esta. Ela está imbuída da ideia de que o fim da experiência da punição física é alguma coisa associada a tantas outras formas de suavidade que temos adotado. Algumas dessas medidas de suavização chegaram mesmo ao extremo. Mas, nem por isso, criaram distorções em nossas vidas; ao contrário, cumpriram sua “missão civilizatória” . Há a pena de morte em vários países, mas, em boa parte do mundo, não mais o enforcamento de rua ou o esquartejamento e nem mesmo a cadeira elétrica. Seria insano dizer que criamos uma geração que esqueceu o que é o sofrimento porque não mais assiste a barbárie do sangue derramado nas ruas com guilhotinas e coisas do gênero. No entanto, em contrapartida, alguns diriam que essa capa civilizatória não teria gerado outra coisa que não um mundo de exércitos altamente danosos. Exatamente pelo fato de todos acreditarmos que, numa guerra moderna, não há mais mortes, apenas “baixas” em um grande jogo de vídeo-game, abrimo-nos para a possibilidade da guerra, inclusive com a falsa noção de que todo e qualquer inimigo despreparado militarmente poderia ser eliminado por uma ação parecida a de quem limpa uma mesa com migalhas de mão.
Paulo Ghiraldelli Jr. , filósofo, escritor e professor da UFRRJ. Lei também o texto de Kalu Brum, É só um tapinha?, no Blog Mamíferas, publicado no dia 13 desse mês. Acessem também o site Não bata. Eduque.

5 comentários:

  1. Devo ser muito burra, que não entendi a opinião do autor o.O

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  2. Ártemis, o autor discorre, trata, do cenário atual no País de punir às crianças c/ agressões físicas e compara c/ outros Países como é essa questão da punição. Utiliza, p/ essa análise, de ideias de alguns filósofos/sociólogos, como Foucault e Adorno. E não se menospreze... ninguém é "burro"!!! Obrigada pelo participação! Abraços.

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  3. Ele não explicita sua opinião não. Faz o que mais gostam de fazer os filósofos, filosofar e filosofar....

    Gostei do texto da Kalu e gosto muito da idéia de impor limites sem agressões físicas ou verbais. Esses pequeninos são mesmo uma verdadeira escola para nós, sempre aprendendo.... e respirando fundo!

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  4. Ah tá. Achei que não tinha entendido.

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  5. rsrsrsrsrsrsrsrsrsrrsrsrsrrsrsrsrrsrsrsrrsrsr

    uma criança ela tem direito de ser feliz!!!!!

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