terça-feira, 1 de março de 2011

Nascimento: da fisiologia à prática - PARTE II


Fotos: Acervo Espaço Aobä
Publico hoje a segunda e última parte de minhas anotações sobre o workshop que participei com o obstetra francês Michel Odent, em Curitiba/PR, no Espaço Aobä, que receberá em abril Janet Balaskas - saiba mais aqui!
Também foi em abril, no dia 06, que tive essa bela oportunidade, com a cria ainda pequenina e serelepe, com seus sete meses, lá foi toda a família para a terra das Araucárias se deleitar com tantas informações! Por acúmulo de trabalho não consegui compartilhar todas as 20 páginas rascunhadas, tendo postado somente a PARTE I desse material.
Aproveitem!
Temos, ainda, outros posts sobre o autor/tema, confiram:
Menos adrenalina e mais ocitocina no parto - http://partonobrasil.blogspot.com/2010/05/menos-adrenalina-e-mais-ocitocina-no.html.
O nascimento dos mamíferos humanos - http://partonobrasil.blogspot.com/2010/05/o-nascimento-dos-mamiferos-humanos.html.
Leiam agora Nascimento: da fisiologia à prática - PARTE II
Na metade do século XX houve uma masculinização do ambiente do parto, com a presença de médicos treinados e especializados para participar do parto, processo esse que se desencadeou rapidamente. Aparelhos eletrônicos foram introduzidos reforçando o simbolismo do masculino.
A ocitocina foi esquecida, bem como sua condição de "hormônio tímido", tendo esse condicionamento cultural gerado muitos efeitos.
As imagens visuais no processo de parto também foram adicionadas, com vídeos e fotos de parto, o que se tornou, segundo Odent, uma epidemia nos EUA, com inúmeros vídeos de parto natural, dando ao ambiente de parto uma não-naturalidade, no sentido estrito da palavra.
Os movimentos de parto natural também diziam: "Você não pode parir sozinha!". Um novo condicionamento cultural surgia, dando confiança ao poder da fisilogia materna, visto que para parir a mulher tem que se sentir segura, porém, não observada, para que possa liberar a quantidade de ocitocina necessária, que se comporta timidamente quando em presença de outros seres, devido a inibição neo-cortical.
Parir não é assunto para o néocortex!
Nas estruturas cerebrais arcaicas notavam-se a presença da glândula pituitária e do hipotálamo, sendo que nos Homo sapiens ocorreu o desenvolvimento do néocortex, que durante o parto precisa "parar de funcionar", descansar - um dos aspectos mais importantes da fisiologia do parto, tendo a mulher protegida de estímulos, como a fala, necessitando do silêncio, o uso da palavra no TP, porém em nossa sociedade atual leva-se tempo para "aceitar" o silêncio, onde usamos demasiamente a fala racional - "Você está com oito centímetros!". Faz-se necessário ter muito cuidado ao se perguntar qualquer coisa para a mulher durante o TP, por conta desta interferência.
A luz é outro estímulo significativo durante esse processo do parto e nascimento. Quando vamos dormir, à noite, liberamos um hormônio da escuridão, a melatonina, que sem um ambiente escuro aumenta os níveis desse hormônio.
O fato de ser observado também estimula o néocortex, que dirá de cardiotocos, pessoas e câmeras fotográficas e filmadoras.
Como aceitar esses preceitos como necessidades básicas?
Aí encontramos um grande perigo! Muita atenção! A única necessidade básica é sentir-se segura e não observada.
Quem poderia estar no parto e não "atrapalhar", fazendo com que a mulher se sentisse segura? A mãe? A parteira?
O desaparecimento das parteiras indica a falta de compreensão da fisilogia do parto, tendo esse ofício ancestral se configurado como mais um membro da equipe médica.
Qual a razão para ser parteira? Entendendo o processo fisiológico enxergamos esse motivo. Assim, uma parteira "autêntica" compreende intuitivamente e cientificamente o antagonismo entre ocitocina/adrenalina e como é contagioso! A liberação de adrenalina é contagiosa! Desta forma, a duração do TP é proporcional a liberação de adrenalina entre os presentes.
Um estudo em Provence e no Reino Unido comprovaram atividades repetitivas que reduzem o nível de adrenalina, como por exemplo tricotar! Sendo assim, manter o nível de adrenalina baixo é uma das atividades de uma parteira "autêntica", conciliando conhecimento com consciência.
A fome é também um dos fatores que desencadeia mais adrenalina, e, o que dizer das inúmeras cascatas de intervenções ocorridas nos partos hospitalares, desde o parto, nascimento do bebê até a dequitação da placenta?
Após o parto o pico de ocitocina é mais alto do que qualquer outra situação, como no orgasmo, parto, ejeção do leite, pois é um momento vital, para a descida segura da placenta sem perda sanguínea.
Existem alguns fatores que colaboram para a liberação da placenta:
- A mulher não sentir frio;
- A mulher não deve ser distraída, não devendo fazer;
- Sentir o contato com o bebê, olhar em seus olhos, sentir seu cheiro e amamentá-lo.
Isso é um parto fisiológico, ou natural, muito diferente de um parto normal, vaginal, e cultural, pois está de acordo com as regras/normas sociais, pregadas nos rígidos protocolos hospitalares.
Para fazer com que as pessoas percebam o momento atual é necessário trazer-lhes informação com embasamento científico, fazendo surgir uma nova consciência, que nos é um dever, conciliando intuição e Ciência - cá está o ponto de mutação do parto.
Hoje temos pressa! Bebês precisam nascer em datas pré-agendadas. De acordo com a data da última menstruação (DUM) versus o dia da fecundação, temos 42 semanas, mas se medirmos a altura do útero, analisar quantas vezes o bebê se movimenta, sendo preciso 10 movimentações diárias, realizar uma Amnioscopia, um ultrasom, coletar a urina e ver a taxa de hormônio da placenta, estando seu funcionamento placentário perfeito, podemos aguardar a chegada desde bebê um pouco mais.
Mas, a obstetrícia se industrializou, como Odent menciona no livro O camponês e a parteira, onde ele relaciona as transformações entre a agricultura e o nascimento. Nasceu também a estandartização do parto, com o surgimento do parto vaginal e o cesáreo. Para o autor é impossível humanizar a cesárea.
Existem tipos de cesárea: a ideal, que ocorre durante o TP, sem ser de emergência, não esperando muitas horas de indução com soro, sem uso de fórceps ou ventosa e sem perda sanguínea.
Odent nos falou que verifica-se uma proporção entre a taxa de cesárea de uma instituição hospitalar se calcularmos o n° de obstetras e o de parteiras/enfermeiras obstetras (EO).
Praticamente em todos os Países o significado da partería ganhou outros contornos.
E, como escolher seu tipo de parto, entre um parto domiciliar (PD) ou um parto normal hospitalar (PNH)?
A resposta de Odent é: "Sentir-se segura é o principal! Não há um protocolo rígido. O mais apropriado é combinar a intimidade do lar com o equipamento hospitalar. Talvez esse seja o futuro.".
Os rituais e crenças mantidas de geração em geração trouxeram alguma vantagem para as sociedades, nos seus cinco continentes, em milhares de anos? Qual o motivo? A estratégia básica de sobrevivência era dominar, seja a Natureza, o Homem, o fraco, o outro. Sempre existiram rituais de separação entre mãe/filho, seja pelo xamã, parteira ou o obstetra e sua equipe de enfermagem, incluindo o pediatra, ou até mesmo pelo padrinho! O colostro e a placenta estiveram no cerne desse rito.
Muitos esqueceram que a ocitocina é um fabuloso antidepressor, então, porque hoje muitas mulheres sofrem de depressão pós-parto?
A respeito do uso da piscina de parto no TP, ao invés de parto na água, como muitos falam, Odent utiliza essa prática desde os anos 70, tendo como objetivo evitar o uso de drogas em situações específicas, como nas dores na lombar, contribuindo para a dilatação do colo uterino, e diminuindo os níveis da adrenalina. Mas, seu uso deve ser com imersão em uma água na temperatura do corpo em um curto período de tempo, não antes do meio da dilatação, por isso não se deve planejar o nascimento na água, mesmo apesar disso ele ocorrendo.
Em 1983 Odent publicou um artigo em linguagem médica sobre a equivalência de uma anestesia com o uso da piscina de parto no TP, mas estar imersa em água na temperatura do corpo é inútil se tiver pessoas observando a mulher, já que esta necessita de privacidade e não se sentir observada, que é também uma necessidade básica de outros mamíferos.
Assim, pudemos ouvir naquela fria tarde curitibana os ensinamentos e estudos deste grande pesquisador, que muito contribuiu e contribuí com o Movimento de Humanização!

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