quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Relato: Nascimento de Heitor - Parto normal hospitalar

Depois de algum tempo tentando digerir um trabalho de parto completamente desrespeitoso e desumano, agora eu acho que posso falar dele.

Tudo começou na quarta-feira (dia 23 de setembro) de manhã, quando fiz o primeiro toque: Colo 80% apagado e bebê ainda descendo. O médico (humanizado), que eu só procurei com 39 semanas, passou a mão na minha barriga e eu tive uma contração, depois de uns dois minutos ele passou novamente a mão na minha barriga e tomou um susto que eu tive mais uma contração. Ele me disse que o bebê nasceria no máximo até o fim de semana. Fiquei um pouquinho ansiosa e quando tiramos minha pressão ela estava um pouquinho alta (15X9). Então, depois de umas quatro horas (quando já estava em casa), os pródomos começaram. As contrações agora vinham com dor no pé da barriga.

De quarta a quinta tive pródomos (com dores no pé da barriga) com intervalos entre três e oito minutos (completamente irregulares). Falei com a minha doula e a minha parteira e elas me mandaram ficar em casa e descansar o máximo que eu conseguisse. De madrugada fiz um toque, um cm de dilatação e bebê ainda alto. No hospital ainda senti que perdi o tampão mucoso. Nessa noite não dormi nada por causa da dor e das contrações que eram muito próximas uma das outras.

Quinta-feira de manhã eu fiz uns exames (glicose, ecografia com dopller e urina), estava tudo ok. As contrações ficaram com intervalos maiores (mais de 15 minutos) e a dor diminuiu bastante. E nessa noite dormi melhor, a dor estava bem fraquinha e as contrações mais espaçadas.

Na sexta-feira as contrações continuaram bem espaçadas, às vezes achava até que iriam parar. Concluí que tinha entrado no "falso trabalho de parto". Mas de madrugada as contrações voltaram e mais uma vez não consegui dormir muito bem.

No sábado as contrações diminuíram um pouquinho durante o dia, mas já estavam um pouco mais doloridas e a dor no pé da barriga e na lombar estava mais freqüente. Fiz mais um toque e fiquei arrasada quando o médico disse que eu estava com um cm de dilatação. Minha doula conversou comigo sobre a possibilidade de termos o bebê no hospital (meu plano A era um parto domiciliar com uma parteira), me mostrou os riscos de sofrimento fetal e mecônio depois de tantos dias com pródomos, pressão um pouco alta e passando das 40 semanas. Elas queriam que tudo estivesse certinho para tentar um parto domiciliar, não queriam arriscar minha vida e do bebê. Fiquei arrasada, chorei muito e acho que toda minha confiança se foi quando percebi que minha parteira e minha doula não estavam tão confiantes no parto domiciliar. E junto vieram todos os medos... de não aguentar a dor, de acabar em uma cesárea, de algo ruim acontecer ao bebê por causa do sonho do parto domiciliar. E eu, que me via tão segura e confiante, agora tinha muitos medos. A noite foi outro inferno, as contrações voltaram a ficar mais freqüentes (praticamente de 10 em 10 minutos) e a dor estava muito maior. Eu não dormi nada, nessa noite era impossível continuar deitada quando vinha uma contração, eu precisava levantar jogar o corpo para frente e esperar a contração passar, então deitava e tentava dormir novamente. Completei 40 semanas.

E chegou domingo (dia 27 de setembro). Desde que começou a semana eu fiz sexo, tomei muito chá de canela, tomei vários banhos quentes, rebolei na bola, fiz agachamentos, fiz acupuntura e continuei esperando (cada vez mais ansiosa) pelo parto que não chegava nunca. Passei o dia com contrações espaçadas. À noite elas se aproximaram e se intensificaram. Às 21 horas, eu e meu marido começamos há contar o tempo e o espaço entre as contrações (três contrações em 10 minutos). Liguei para minha doula e para minha parteira. A parteira disse que não achava seguro o domiciliar (ela queria o aval do médico que eu fui ao começo dos pródomos, mas ele disse que só achava seguro o parto domiciliar se minha pressão estivesse boa e mesmo assim somente até sábado), como já era domingo a noite ela me disse para ir para o hospital. Liguei para o médico humanizado, que era meu plano B (após a parteira). Mas, no mesmo dia ele estava acompanhando outro parto e como eu não fiz meu pré-natal com ele, eu tive que decidir entre ligar para o médico que fez meu pré-natal ou tentar a sorte com um plantonista. Eu escolhi meu médico do pré-natal, um médico que se dizia vaginalista, mas que era completamente contra parto domiciliar e era a favor de uma série de intervenções. Foi a pior escolha que eu fiz. Arrependo-me amargamente disso.

E então começou minha jornada. Eu estava em trabalho de parto e estava indo para o hospital. As dores estavam bem mais fortes e mais freqüentes. E para piorar eu estava muito chateada por não ter conseguido meu domiciliar (mas, eu sentia que deveria mesmo ir para o hospital, já não me sentia tão segura). Chegamos ao Hospital Brasília (Lago Sul – DF) e recebemos a informação de que o hospital não estava mais aceitando meu plano de saúde (o plano de saúde queria me mandar para um hospital a mais ou menos 40 km de distância, para uma Cidade Satélite que eu não conhecia e não sabia como chegar). Meu marido discutiu com vários atendentes e eles não fizeram nada. Depois de mais de uma hora esperando (com contrações de dois em dois minutos), eu fui atendida (obs.: pagando tudo no particular, o que me deixou ainda mais preocupada). Era mais ou menos meia-noite e fiz um exame de toque... três cm. Nesse momento eu já estava desesperada, queria tanto já estar com oito ou nove cm. Mas eu tinha que esperar.

Fui para uma sala enquanto esperava a liberação do quarto. Colocaram-me soro (sem ocitocina pelo menos) e eu fiquei andando e chorando por causa da dor. Em pouco tempo minha doula chegou e começamos o nosso trabalho... andar, sentar, rebolar, chuveiro, massagem.... e a dor só piorava.

Meu médico chegou e a primeira coisa que ele perguntou foi: “Você vai querer uma cesariana ou um parto normal? Porque eu não vou fica horas com você tentando um parto normal para fazer uma cesariana depois”. Eu respondi que queria um parto normal. No quarto os minutos pareciam não passar, a dor aumentava, meu medo aumentava e tudo ia ficando muito assustador para mim. E então eu cedi e implorei por uma anestesia.

Eu tentava me focar no trabalho de parto, mas toda vez que o médico entrava no quarto, eu surtava, começava a chorar e implorava novamente por uma anestesia (eu estava enlouquecendo de tanta dor). No começo o médico dizia que ainda não era hora de dar a anestesia e depois ele disse que eu já estava pronta e por isso não podia mais me dar à anestesia. Em vez de tentar me acalmar (como fazia minha doula), o médico falava ‘alto e grosseiro’ comigo; falava-me: “Você não quer um parto normal? Tem que agüentar a dor”. E esse tratamento grosseiro que eu recebia do médico me deixava ainda pior. Eu não conseguia nem brigar, tinha medo que ele me deixasse sofrer ainda mais. Ele ainda chamou meu marido no lado de fora do quarto para dizer que eu estava perdendo o controle e que se eu não colocasse minha cabeça no lugar não conseguiria meu parto normal. Quando o médico saia do quarto eu conseguia me acalmar um pouco, mas as contrações estavam muito fortes e algumas vezes eu virei chorando para o meu marido e disse: “Amor, me ajuda, por favor. Pede uma anestesia para o médico. Eu não estou agüentando mais.”. Mas, acho que meu marido estava quase tão atordoado quando eu. Minha doula nessas horas tentava me acalmar, dizendo que eu estava indo muito bem, que não ia demorar muito mais, que eu estava dilatando rápido e que eu ia agüentar sim. Fiz uns quatro toques ao longo do trabalho de parto, todos muito doloridos (duas vezes o médico fez um toque com uma manobra para ‘apagar’ o colo do útero)... acho que foi a pior dor que já senti na vida.

O trabalho de parto começou às 21 horas, cheguei ao hospital meia-noite e às 4:45 horas eu fui para o centro cirúrgico. E então tudo piorou.

Cheguei ao centro cirúrgico na maca (de barriga para cima) gemendo de dor. O médico não deixou a doula entrar, com a desculpa de que nesse hospital só uma pessoa podia acompanhar a parturiente no centro cirúrgico (era mentira dele). Então entramos só eu e o meu marido. Fui colocada na mesa de barriga para cima, completamente deitada (a cama não foi levantada nenhum centímetro sequer); amarraram minhas pernas nos estribos com uma faixa; colocaram-me na ocitocina (meu marido contou que o médico mandou colocar ocitocina e ligar no máximo); sempre que eu tinha que empurrar, o médico enfiava dois dedos (um de cada mão dentro da minha vagina) e puxava para os lados, como se ele quisesse abrir mais (nunca tinha visto esse procedimento)  e isso machucava demais; todos (médico e enfermeiras) ficavam gritando o tempo todo me dizendo que eu estava fazendo força errado (mas eu já estava sem força e não tinha onde apoiar os pés para fazer força... meus pés estavam no ar); o médico começou a dizer que o meu bebê estava no canal de parto e não podia ficar ali muito tempo (isso foi me deixando apavorada); ele fez uma episiotomia enorme (meu marido contou que ele cortou a primeira vez e depois de um tempo aumentou o corte); ele chamou outro médico e pediu que ele fizesse a manobra de Kristeller; a cabecinha do Heitor saiu e estava com uma circular de cordão (que em vez de desenrolar para o bebê terminar de nascer, ele clampeou e cortou com o corpinho do bebê ainda dentro de mim).

E então, às 5:15 horas do dia 28 de setembro, o Heitor nasceu... roxinho e deprimido. Eles levaram meu filho sem me mostrá-lo e sem falar nada. Acho que demorei uns segundo para voltar à realidade, só vi alguém saindo com meu filho e a cara de desespero do meu marido. Então o médico disse que ele nasceu muito deprimido e precisava ficar em observação (só deixaram meu marido vê-lo depois de uns cinco minutos). O Heitor nasceu roxo e deprimido, com uma circular de cordão no pescoço e com mecônio. Só vi meu filho depois de duas horas (quando o trouxeram para mim).

Para finalizar, o médico (que disse que ia fazer meu parto pelo plano de saúde, mesmo sabendo que seria difícil ele receber porque meu plano estava meio “falido”) mandou a secretária ligar para o meu marido e cobrar R$ 2.000,00 pelo parto.

Mas, depois de todo esse desespero tudo ficou bem... meu bebê estava comigo, rosado, alerta, guloso e lindo. Isso era o mais importante, durante todo aquele dia (e nos primeiros dias de vida do meu filho) eu não quis pensar muito no parto, quando alguém perguntava, eu só dizia que tinha sido normal. E então alguns dias se passaram e eu não pude deixar de sentir as feridas desse parto traumático (não as feridas físicas, mas aquelas feridas que ficam na nossa alma e no nosso coração). Chorei muitas vezes debaixo do chuveiro. Tentei várias vezes escrever esse relato, sem sucesso.

O Heitor nasceu com 3.860 kg e 52,5 cm. Foi o maior bebê que nasceu na maternidade aquele dia. Mamou certinho assim que se encostou ao meu peito (e mamou muito depois disso). Hoje meu príncipe está com quase seis meses e é um bebê lindo, adorável, sorridente, danado e sapeca. E as feridas são bem mais suportáveis agora. Eu posso pensar com mais clareza e perceber tudo que aconteceu... a forma como fui tratada, o desrespeito do médico e até meus próprios erros.

Eu consegui colocar tudo isso para fora e acho que esse foi o primeiro passo para a minha cura. Agora eu estou me sentindo melhor e acho sim que posso viver um parto feliz e sagrado da próxima vez. Eu preciso ter fé nisso.


“Se alguém me perguntasse o que eu nasci para ser... minha resposta seria: MÃE”


_Michely Silva Alvim Lares, esposa do Vitor (meu amor e companheiro) e mãe do Heitor (amor da minha vida).

2 comentários:

  1. Eu sei o que você está sentindo, Michely. E isso ó vai mudar se levantarmos nossas cabeças e denunciar. Procure o CRM e a Justiça. Fiz isso e sei que vai demorar, mas não falhará! Esses seres abomináveis tem que aprender que nós temos direitos e eles não podem fazer isso com ninguém mais!

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  2. Michely, triste saber da sua história com tantos detalhes que não precisavam ter sido assim, mas que continuam acontecendo nas maternidades do DF.
    Heitor é um fofo. Eu acompanhei por fotos o crescimento desse garotão!
    Felicidades para essa família!

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