Confira, na íntegra.
Folha de São Paulo, quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011
Uma em 4 mulheres relata maus-tratos durante parto
Queixa é mais frequente em hospital público, mas ocorre também em particular
Agressões vão de exames dolorosos a xingamentos e gritos; secretário diz que situação é intolerável
LAURA CAPRIGLIONE
DE SÃO PAULO
Chorando em um hospital, agulhada pelas dores das contrações do parto, mulheres brasileiras ainda têm de ouvir maus-tratos verbais como: "
Na hora de fazer não chorou, não chamou a mamãe. Por que tá chorando agora?"; ou "
Não chora não que no ano que vem você está aqui de novo"; ou ainda "
Se gritar, eu paro agora o que estou fazendo e não te atendo mais".
Uma em cada quatro mulheres que deram à luz em hospitais públicos ou privados relatou algum tipo de agressão no parto, perpretada por profissionais de saúde que deveriam acolhê-la e zelar por seu bem-estar.
São agressões que vão da recusa em oferecer algum alívio para a dor, xingamentos, realização de exames dolorosos e contraindicados até ironias, gritos e tratamentos grosseiros com viés discriminatório quanto a classe social ou cor da pele.
Os dados integram o estudo "
Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e privado", realizado em agosto de 2010 pela
Fundação Perseu Abramo e pelo
Sesc e divulgado agora.
A
Folha obteve com exclusividade o capítulo "
Violência no Parto", que pela primeira vez quantificou à escala nacional, a partir de entrevistas em
25 unidades da Federação e em
176 municípios, a incidência dos maus-tratos contra parturientes.
Coordenado pelo sociólogo
Gustavo Venturi, professor da
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
USP, o estudo constatou uma situação que
Janaina Marques de Aguiar, doutora pela
Faculdade de Medicina da
USP, já tinha captado em estudos qualitativos. "
Quanto mais jovem, mais escura, mais pobre, maior a violência no parto."
O estudo mostra, por exemplo, que as queixas são mais frequentes no caso de o local do parto ser a rede pública, com 27% das mulheres reportando alguma forma de violência. Em 2009, foram quase 2 milhões de partos feitos nas unidades do
Sistema Único de Saúde. Quando a mulher dá à luz em um serviço privado, as queixas caem a 17%.
Ressalta no estudo a diferença de tratamento em municípios pequenos, médios e grandes. Quanto maior o município, maior a incidência de queixas.
Segundo
Sonia Nussenzweig Hotimsky, docente da
Escola de Sociologia e Política de São Paulo, a diferença pode ser atribuída à "industrialização" do parto nos grandes hospitais. "
Em uma cidade pequena, as pessoas acabam se conhecendo e o tratamento tende a ser mais humanizado".
Desde 2004, o
Ministério da Saúde tem entre suas prioridades a humanização do parto. Mesmo assim, até hoje não conseguiu nem sequer universalizar o direito das parturientes a um acompanhante de sua confiança, conforme lei de 2005.
Segundo
Helvécio Magalhães Jr., secretário de
Atenção à Saúde do ministério, a situação "
é intolerável". Segundo ele, "
a humanização do parto está no centro da política de saúde do governo". Sobre a lei do acompanhante, o secretário diz que é essencial seu cumprimento até para "
coibir os abusos".
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Clique sobre a imagem e leia frase da pesquisadora
Janaína de Aguiar, que também coordena o
Projeto Nascer no Brasil, da FIOCRUZ. O referido estudo é a
tese de doutorado de Janaína na Faculdade de Medicina/USP, que foi apresentada na ilustre
mesa sobre Violência Obstétrica Institucional, durante a III Conferência Internacional sobre Humanização do Parto e Nascimento, em Brasília, 2010.
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