domingo, 18 de julho de 2010

"Eu quero uma casa no campo..."

Toda vez que viajo, como uma boa observadora que sou, sempre acabo incorporando mais alguma história de quem, rapidamente, acabei batendo papo, pois bem, dessa vez não foi diferente... No ônibus rumo a Sorocaba/SP, na Serra da Cabeça da Anta, conheci uma mulher, que nem seu nome sei... começamos a conversar, ela me contou que era de Eldorado, uma comunidade quilombola do Vale do Ribeira e que há 20 anos residia em Registro, mas que nunca se esqueceu de suas raízes, de sua identidade e dos bons momentos vividos no sítio, com simplicidade e que, em casa, sua mãe pariu quatro filhos, com a ajuda de uma sábia parteira, que, para ela, era como se fosse sua mãe, vindo a falecer já velhinha ano passado. No seu relato disse que toda vez que se sentia sozinha ou deprimida se recordava da casa de pau-a-pique onde nasceu, da esteira de taboa onde dormia e da vasta mata que circundava seu lar... pois é, tantas pessoas dizem que não nos lembramos de nosso nascimento, que tanto faz nascer/parir em casa ou no hospital (álias, no hospital sim temos segurança, recursos, equipamentos!), ou seja, que tudo isso é uma tolice! Sempre discordei dessa ideia, já que para mim a forma como somos recebidas/os influencia na nossa vida, no nosso trilhar e nada como vir a esse mundão com respeito, com naturalidade... nessa prosa, pelos caminhos do destino, pude ouvir mais uma comprovação daquilo que eu acredito e defendo, veementemente... talvez, inconscientemente (me ajudem, caros/as psicólogos/as e psicanalistas se estiver falando bobagem!) essa mulher, que também pariu seu filho com 17 anos sem indução, rapidamente, em um parto normal hospitalar, quando se sente acuada pelas pressões do dia-a-dia retorne ao paraíso edílico de onde nasceu, em sua casa, com amor, e encontre a segurança que todos/as nós precisamos... quem sabe... Desenho de Laura Andreato.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Um sonho...

Eu tenho um sonho... talvez um sonho partilhado por muitas mulheres, homens e suas famílias que irão receber um dia seus bebês... o sonho? Que as mulheres, homens e suas famílias possam ser respeitadas/os, que a parturiente possa parir sem práticas, protocolos e intervenções com vistas aos ponteiros de um relógio e que, assim, naturalmente, na medida da força ancestral feminina, um novo ser possa nascer e ser concebido com amor, respeitosamente! Foi assim que escolhi parir Rudá, vivência que transformou minha vida e meu olhar na assistência ao parto e nascimento, dado que tive anteriormente uma cesareana para que Ícaro, meu primogênito, nascesse. É... post todo emocionado de quem acabou de ver um vídeo de um parto em casa, e que pela enéssima vez teve seu coração tocado, sua memória recordada... nesse vídeo (Lynsey Stone Birth Photography), feito com as fotos de um parto domiciliar, o expectador pode ver como é simples e mágica a chegada de um bebê, como a mãe tendo liberdade se entrega ao evento, curte, e melhor, junto de quem confia e ama! Tão lindo ver sua filhota, imagino eu, esperar o irmãozinho/a, dar as mãos para sua mãe e dividir junto as emoções e, quando tudo acaba (ou seria, se inicia?), cortar o cordão umbilical e proporcionar um novo trilhar, de uma nova vida... Lindo lindo lindo! Meu sonho? É esse! Que nós possamos ter nossos filhos com simplicidade, com naturalidade, com amor! E, sonho que se sonha junto, já dizia o cantor, é realidade!!! Vejam também o vídeo Joyful Birth! Foto de Silmara Guerreiro - Acervo pessoal, ago/09.

Curetagem é a cirurgia mais realizada no Brasil


Segundo Ministério da Saúde, foram feitos 3,1 milhões de procedimentos entre 1995 e 2007 - Por Adauri Antunes Barbosa.
SÃO PAULO. Uma das cirurgias mais realizadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), a curetagem (procedimento para limpar o útero após o aborto) foi feita na rede pública por 3,1 milhões de mulheres, entre 1995 e 2007.
O número, revelado em tese de doutorado pela médica Pai Ching Yu, do Instituto do Coração (Incor) da Universidade de São Paulo (USP), mostra a gravidade do problema. O aborto que precede a curetagem é uma das principais causas de morte no País — e motivo de maus tratos, por parte de profissionais da saúde, a mulheres que buscam atendimento médico.
Não há números oficiais sobre aborto no Brasil. A mulher que procura atendimento médico depois de abortar geralmente não informa se o procedimento foi legal, espontâneo ou ilegal, temendo punições. Em alguns estados, como Bahia e Pernambuco, as complicações do aborto são a primeira causa de morte de mulheres, conforme constataram as ONGs Ipas Brasil e Grupo Curumim, que pesquisaram o assunto em cinco estados, incluindo o Rio de Janeiro.
De acordo com a enfermeira Ana Paula Lima Viana, da ONG Grupo Curumim, a lei restritiva não impede que os abortos continuem sendo realizados no País e, ao mesmo tempo, encobre “tabus e estigmas” em torno do problema.
Um deles, contou, é que o aborto é tratado como crime e pecado pelos profissionais da saúde, que se negam a dar o atendimento, provocando o agravamento do estado das mulheres e causando a morte.
Isso é grave violação a um direito humano. A mulher não tem atendimento ou tem atendimento de péssima qualidade — afirmou Ana Paula Viana.
Conforme as pesquisas feitas pelo Grupo Curumim e Ipas Brasil, a crueldade da curetagem em mulheres que fizeram aborto foi constatada no Rio, Bahia, Pernambuco, Mato Grosso do Sul e Paraíba. Em vez de utilizarem o método de aspiração manual, um processo simples que não põe a mulher em risco, as ONGs observaram que a raspagem é feita com instrumento perfurante que, em muitos casos, provoca hemorragias e infecções.
Esse método arcaico de raspagem com objeto perfurante é verificado em mais de 90% dos casos, quase 100%. Inclusive no Rio — disse Ana Paula, que é parteira em Recife.
Segundo dados do Ministério da Saúde foram realizados no SUS mais de 32 milhões de procedimentos cirúrgicos entre 1995 e 2007. Entre os 1.568 tipos de cirurgias, as curetagens ficaram em primeiro, com 3,1 milhões de registros. Na sequência, ficaram as cirurgias para correção de hérnia, com 1,8 milhão de casos; retiradas de vesícula, 1,2 milhão; plástica de vagina e períneo, 1,1 milhão; e retirada do apêndice, 923 mil. As cirurgias cardíacas, partos e intervenções sem internação ficaram de fora da pesquisa.
Fonte: O Globo, 15/07/10. Foto extraída de: http://oglobo.globo.com/fotos/2008/09/17/17_MHG_mul_aborto.jpg

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Não bata, eduque

O ano? 2010. A campanha? Esta: “Não bata, eduque”. Ela é parte de uma ação que tem como peça legal uma especificação em relação ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A especificação diz respeito a uma legislação recém assinada pelo Presidente Lula, que define que a proibição aos “maus tratos” à criança inclui até mesmo a convencional “palmada pedagógica”.
Sendo assim, o Brasil dá passos no sentido de entrar na modernidade em mais um setor, o da punição infantil. Bem, isso é verdade ao menos se pensarmos que a modernidade é a que foi descrita pelo filósofo francês Michel Foucault: a cada dia colocamos mais tijolos na construção de instituições cujo papel é nos tornar mais suaves, isto é, instituições fomentadoras de relações de poder que visam antes a alma que o corpo. Lula obedece a esse destino. Com essa nova legislação, pais, professores e outros que cuidam de menores vão ter de redobrar a atenção e a paciência, caso não queiram sofrer conseqüências que incluem até mesmo a prisão.
Assim, derruba-se de uma vez por todas, no Brasil, um dos princípios básicos da educação vigente em boa parte do mundo. Sim, pois a legalidade da punição física no lar, na escola e no sistema penal não é coisa de um passado distante. Uma boa das nações trata a punição física de crianças antes como parte inerente ao processo educacional que um elemento de exceção utilizado como “último recurso”. Portanto, sendo assim, a legalidade da punição física, em vários lugares, está longe de ser questionada.
Nos Estados Unidos, como é de praxe, a discussão sobre o assunto é acirrada. Atualmente, pode-se dizer que o país está dividido, com metade dos estados proibindo ou tentando proibir a punição física na escola e no lar, enquanto que a outra metade se põe, em certo sentido, contrária à proibição. No Brasil, algum tipo de punição física é vigente e permitida em todas as três instâncias, sendo que a legislação assinada pelo presidente Lula, em 14 de julho de 2010 (exatamente neste momento em que escrevo), visa colocar o nosso país em uma situação totalmente inversa nas três instâncias consideradas. Busca-se o fim definitivo e claro de qualquer ato punitivo que vise antes o corpo que a alma.
(...) quando nos colocamos no lugar das crianças castigadas ou, ainda, quando interpretamos Foucault, não temos como não nos colocar ao lado dessas medidas anti-punição física. Todavia, sabemos muito bem que nem todos que defendem um castigo físico do tipo da “palmada pedagógica” são incultos, bárbaros ou, então, intelectuais ligados a uma psicopedagogia arcaica. Vários, são filósofos cuja visão sobre a modernidade não inclui os mesmos pressupostos de Foucault. São os que entendem que a modernidade pode até ampliar a suavidade, mas, enfim, não sem um preço, que é a ampliação da crueldade por meio da indiferença, da insensibilidade.
O filósofo alemão Theodor Adorno, perguntado sobre o que faria com uma criança que arrancou as asas de um inseto, não hesitou em afirmar que daria um bom tapa na mão do garoto. Seria pouco inteligente jogar nas costas de Adorno qualquer cultivo da frieza ou crueldade ou impaciência. Adorno tinha uma justificativa teórica bem arrumada para dizer o que disse. Dependendo da idade do menino, haveria outro tipo de punição? Haveria outro tipo de “marca” possível, que resultasse para a criança realmente uma censura à sua crueldade? Não se estaria aí, com o tapa, tentando dizer para a criança algo como “veja como a dor corporal é indesejável”, mas de uma forma capaz de marcar o momento e se fazer entender pela criança pequena?
A despeito de Adorno, parece que a lei de Lula será vencedora. (...) notamos que os países mais ricos, ao menos na entrada do século XXI, adotaram a postura da “punição física zero”. Toda e qualquer punição corporal, mesmo a mais tênue, foi assumida por esses países como alguma coisa cujos benefícios jamais superariam os prejuízos. Assim, do ponto de vista pedagógico imediato, tudo indica que logo não teremos nenhum argumento a favor da punição física. Mas, do ponto de vista filosófico, o assunto não estará encerrado. Pois, dessa perspectiva, há mais coisa em jogo, inclusive situações criadas pelo raciocínio filosófico de levar ao limite o instituído.
Utilizando o raciocínio de levar ao limite, uma vez terminado todo e qualquer castigo físico, em que estaríamos vivendo? Ora, teríamos que o contato do adulto com a criança não passaria mais pelos corpos, ou porque isso seria uma violência explícita (o tapa) ou porque estaria escondendo uma posterior violência de ordem mais complexa (o abuso sexual). Em termos filosóficos, ou seja, a partir de uma situação em que podemos imaginar possibilidades extremadas, seria difícil ver uma sociedade assim, de anjos, isto é, de pessoas incapazes de terem corpos, como uma sociedade feliz.
Podemos acreditar que a dor vinda da punição física comedida, como a “palmada pedagógica”, está longe de ser algo do campo da humilhação e da violência. Podemos, inclusive, temer que se as crianças crescerem privadas da experiência da dor física punitiva, ou seja, virgens do ponto de vista da experiência da dor quando elas criam a dor do outro, estaremos ao final sob o império do não-sentido. Geraríamos, então, uma população inteira de adultos incapazes de se identificarem com o sofrimento alheio que, enfim, continuaria a existir no mundo dos adultos. Uma sociedade assim não tenderia a ser altamente cruel? Não teríamos uma sociedade sujeita à violência aparentemente inconseqüente, como se tudo não passasse de um cenário para o Coyote e o Papa Léguas?
Mas a aposta da legislação não é esta. Ela está imbuída da ideia de que o fim da experiência da punição física é alguma coisa associada a tantas outras formas de suavidade que temos adotado. Algumas dessas medidas de suavização chegaram mesmo ao extremo. Mas, nem por isso, criaram distorções em nossas vidas; ao contrário, cumpriram sua “missão civilizatória” . Há a pena de morte em vários países, mas, em boa parte do mundo, não mais o enforcamento de rua ou o esquartejamento e nem mesmo a cadeira elétrica. Seria insano dizer que criamos uma geração que esqueceu o que é o sofrimento porque não mais assiste a barbárie do sangue derramado nas ruas com guilhotinas e coisas do gênero. No entanto, em contrapartida, alguns diriam que essa capa civilizatória não teria gerado outra coisa que não um mundo de exércitos altamente danosos. Exatamente pelo fato de todos acreditarmos que, numa guerra moderna, não há mais mortes, apenas “baixas” em um grande jogo de vídeo-game, abrimo-nos para a possibilidade da guerra, inclusive com a falsa noção de que todo e qualquer inimigo despreparado militarmente poderia ser eliminado por uma ação parecida a de quem limpa uma mesa com migalhas de mão.
Paulo Ghiraldelli Jr. , filósofo, escritor e professor da UFRRJ. Lei também o texto de Kalu Brum, É só um tapinha?, no Blog Mamíferas, publicado no dia 13 desse mês. Acessem também o site Não bata. Eduque.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Divulgação de eventos no Rio de Janeiro, São Paulo e Distrito Federal

Michel Odent, obstetra e pesquisador francês que foi encarregado do Centro Cirúrgico e da maternidade estadual em Pithiviers, Paris, entre os anos de 1962 a 1985 e fundador do Primal Health Research Centre, em Londres, estará no Rio de Janeiro/RJ no dia 20 desse mês, terça-feira, na Rua Real Grandeza, 108 e fará uma roda de conversa, das 18 às 21 horas, evento aberto e gratuito, vale a pena conferir e participar! Na década de 70 ele introduziu o home-birth (parto caseiro) e os quartos com pequenas piscinas aquecidas nas maternidades. Também é o autor do primeiro artigo na literatura médica sobre o uso das piscinas de parto (Lancet 1983), do primeiro artigo sobre o início da lactação durante a 1a hora após o nascimento e do primeiro artigo "Teoria do portão para o controle da dor” na obstetrícia. Criou o banco de dados do Primal Health Research e escreveu 12 livros publicados em 22 idiomas. Foto: Acervo Espaço Aobä - workshop ocorrido em abril, em Curitiba/PR.
Entre os dias 12 a 15 de novembro, em São Paulo/SP - "Do que fala o corpo do bebê?", no campus da Unip. Para mais informações acesse aqui!

O evento acontece em Brasília/DF entre os dias 26 a 30 de novembro, para mais informações, valores e inscrições de trabalhos acesse aqui!

terça-feira, 13 de julho de 2010

Parir e Gozar

Publicada na Tpm, #87, uma matéria sobre Parir e Gozar, na perspectiva de mulheres que pariram seus filhos/as e tiveram suas vidas transformadas. O parto visto como mais um dos eventos sexuais que temos, relacionando maternidade e sexualidade. Conta com a participação de Kalu Brum, do Mamíferas, além de relatos de outras mulheres. Texto de Fernanda Danelon, de 15 de maio de 2009. Foto extraída de: http://fatioupassou.com/wp-content/uploads/2008/10/21970668_3049cf2bba.jpg

Sobre parir e partejar

Opa! A boa filha a casa torna! E nesse finzinho de segunda-feira, para iniciar os posts desta semana linko duas matérias para vocês saborearem sobre o ofício de parteira e parto em casa, publicadas, respectivamente, na Gazeta do Povo, em 06 de maio de 2010 - Parteiras, heroínas da resistência e na Revista Tpm, #78 - Em Casa. Lindas histórias e emocionantes depoimentos desse belo ofício de partejar. Confiram! E bora lá... Fotos Acervo Revista Tpm - Mauro Restiffe.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Off

Depois de alguns dias sem postar nada, devido a ausência de acesso a internet (deu a louca na operadora!!!), que ainda se mantém, consegui só hoje passar por aqui. Segue abaixo carta aberta da Parto do Princípio ao candidato José Serra sobre uma de suas propagandas eleitorais sobre o Mãe Paulistana, confiram! E, pensem para escolher nossos/as governantes!

Necessidade urgente de retificação do programa eleitoral do candidato José Serra

A Parto do Princípio – Mulheres em Rede pela Maternidade Ativa entende como propaganda enganosa o trecho do vídeo do Programa Eleitoral do Candidato José Serra exibido em cadeia nacional de rádio e televisão no dia 17 de junho de 2010. Transcrição realizada através da cópia das legendas do vídeo disponível em: http://joseserra.psdb.org.br/noticias/serra-sabe-fazer-e-faz (a partir do minuto 4:10 do vídeo de 10 minutos) - “[...] E olha só o que ele fez pras futuras mamães: [...] O Programa Mãe Paulistana. Seis consultas de pré-natal, vale transporte, parto em hospital marcado com antecedência. Tudo de graça.” A mensagem do vídeo pode ser comumente entendida como agendamento do parto, assim como são agendadas as cesarianas tão frequentes nos setores suplementar e privado de assistência à saúde brasileiros. Apesar de muitas mulheres desejarem escolher a via de parto de seus filhos (parto normal ou cesariana), induzir e subentender que marcar a data do parto seria um benefício contradiz totalmente com o que é preconizado pela Organização Mundial de Saúde, pelo Ministério da Saúde, e Pelo Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna e Neonatal. Ao contrário do que é sugerido pelo vídeo, no setor público as mulheres não escolhem a via de parto, sendo esta uma decisão baseada em indicações clínicas que tornem necessária uma intervenção cirúrgica. As evidências científicas indicam que a realização de uma cirurgia desnecessária aumenta os riscos de morbi-mortalidade materna e neonatal. Outra interpretação possível da mensagem é de que haveria possibilidade de reservar vaga em hospital antecipadamente. Porém, o Programa Mãe Paulistana não contempla tal procedimento, de acordo com as informações disponibilizadas pela própria Prefeitura de São Paulo. O que existe é uma Central de Regulação que presta apoio quando há falta de vagas. Diante dessa mensagem cujas duas possíveis interpretações carecem de fundamento, faz-se necessária e urgente retificação da mensagem transmitida com nota de esclarecimento sobre os benefícios do parto normal. Solicitamos também que seja dada a devida publicidade a que o programa efetivamente propõe. Esse, sim, seria o compromisso do candidato com o que é melhor para a saúde das mulheres e seus bebês. Vale lembrar que, em todo o Brasil, as gestantes tem direito à no mínimo seis consultas de pré-natal pelo SUS. E na cidade de São Paulo, o vale transporte e a garantia de vagas nos leitos dos hospitais públicos municipais e conveniados com o SUS são direitos das gestantes desde 2001 (Lei Municipal nº 13.211 de São Paulo aprovada e sancionada por Marta Suplicy). Caso o candidato considere necessário expor sobre assuntos referentes à assistência à gestante durante sua gestão, sugerimos citar a Lei Estadual 13.069 de 2008 do Estado de São Paulo, que dispõe sobre a obrigatoriedade dos serviços de saúde informar sobre o direito à presença do acompanhante no parto. Apesar de até hoje não estar sendo cumprida por muitos hospitais do Estado de São Paulo, é uma lei que foi promulgada durante sua gestão. Aproveitamos para salientar que também as Leis Estadual (Lei Estadual nº 10.241 de 1999) e Federal (Lei Federal nº 11.108 de 2005) do Acompanhante no Parto continuam sendo desrespeitadas em muitos hospitais públicos e particulares do Estado de São Paulo. Gostaríamos ainda de saber qual foi a intenção da menção de que é “Tudo de graça” quando sabemos que se trata de direitos garantidos por lei e assistência pública à saúde. Desde 1988, com a promulgação da Constituição da República, a saúde é direito de todos e dever do Estado, financiada por tributos para os quais a população inteira contribui. Não é de graça, pagamos por isso. O Brasil não pode mais permitir propaganda enganosa - Parto do Princípio - Mulheres em Rede pela Maternidade Ativa_ uma rede nacional, com mais de 100 mulheres por todo o Brasil, que luta para que toda mulher possa ter uma maternidade consciente e ativa através de informação adequada e embasada cientificamente sobre gestação parto e nascimento_ Mais informações, acesse: Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna e Neonatal, Programa Mãe Paulistana, Parto Normal: mais segurança para a mãe e o bebê.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

quarta-feira, 30 de junho de 2010

E dr., como vai ser o parto?

Tenho lido que várias pesquisas brasileiras indicam que um dos maiores problemas relacionados à assistência ao parto e nascimento é a comunicação entre médico e parturiente. Mas, no caso de quem não pariu no SUS, a interação começa na gravidez, e é uma relação que rende um caldo de considerações...
Sobre o que conversamos com o médico durante o pré-natal?
Vitaminas, alimentação, pressão arterial, e todo aquele universo mágico do desenvolvimento do filhote na barriga. Misteriosa e esotérica imagem ultrassonográfica! Cria linda e amada...
“- Mas, dr. e como vai ser o parto? - Ainda é muito cedo, sobre isso conversaremos mais adiante!”.
Quem nunca levou esta, levanta o mouse, por favor!
Passam alguns meses, queremos falar do assunto, sempre, por motivos óbvios.
A sensação é que, de fato, há uma indisposição para o assunto. Os olhos que brilham ao falar que a fisiologia do nosso corpo está funcionando suficientemente bem mudam imediatamente quando a pergunta corta o ar. O dr. encosta-se na poltrona e de lá responde sobre a dinâmica da internação, do expulsivo, da episiotomia, economizando palavras.
A impressão que dá é que somos tolas, o dr. não dedica importância para estes nossos anseios (e nestas horas, ainda bem que existem as amigas das listas de discussão, os blogs e sites com quem dialogar).
Mas, voltando ao pré-natal, é melhor pensar em outros termos. Temos que insistir na conversa sobre o parto, mesmo que rapidamente, em toda consulta. Insistir na conversa que queremos. Temos que ser exigentes de nossos direitos. Infelizmente, eles não são auto-exercidos.
A internet é nossa ferramenta de transformação, quantas de nós começamos nossas buscas no Google. Mas, o padrão da consulta pré-natal (e no caso deste texto, no sistema de saúde privado) também tem que ser transformado. E você que leu este post pode ser responsável por uma mudança.
Para finalizar, só porque eu comecei falando destas pesquisas que tenho lido, compartilho que os outros grandes problemas da assistência ao parto são as experiências de parto anterior (maioria que teve primeira cesárea, tem segunda; e também, maioria que teve primeiro parto normal, tem PN de novo), falta de informação e medo. São pesquisas qualitativas, realizadas nos últimos 10 anos, tanto em instituições públicas como privadas, de várias partes do Brasil.
Ilustração de Bruno Nunes.

domingo, 27 de junho de 2010

Mamãe eu quero

Eu também! Pedida de boa leitura com certeza deve ser o livro Mamãe eu quero, de Sonia Hirsch, sobre alimentação infantil com um guia prático que informa qual a melhor maneira de alimentar um bebê depois do sexto mês, quando iniciamos a introdução de novos alimentos, que antes (deveria ser!) era privilégio do leite materno. Confira um trecho:

a

ntes de mais nada: leite, só de mãe. Todo animal mamífero mama no peito até poder alimentar-se sozinho, mas é no peito de sua própria mãe. As histórias de Rômulo e Remo, amamentados por uma loba, e de Tarzan, criado por uma macaca, e de Mowgli, criado também por uma loba, são meras exceções que confirmam a regra: leite, só de mãe.

Leite é sangue que deixa de correr pelo umbigo e sai pelo bico do seio. Até do masculino, afirmam as Amigas do Peito, se for bem sugado: a glândula desperta. As mães-de-leite que o digam, se é que ainda existem, criando no peito o filho dos outros – que passava a ser seu, com seu sangue circulando pelas veias.

E na boca a criança começa a aprender. Tem que puxar, tem que querer, às vezes chora de tão difícil que é no comecinho. Para a mãe às vezes também é difícil, encontrar a melhor posição às vezes leva uns dias, às vezes cansa. Mas sempre acabam se ajeitando. Da boca do neném o leite desce para o estômago, de lá para os intestinos, ativando no corpinho tudo aquilo que está pronto a funcionar. Devagar, devagarinho, deixando o tempo passar...SONIA HIRSCH.

sábado, 26 de junho de 2010

Chupeta: eis a questão

O acessório infantil desperta muitas controvérsias, de um lado profissionais, como pediatras e dentistas, do outro mães desesperadas por um pouco de sossego (e silêncio!). Costumo brincar que chupeta é para acalmar a mãe, e não o bebê, que com um pouco de colo e paciência logo para com o choro, mas quem atire a primeira pedra e nunca errou nesse aprendizado (diário) que é a maternidade. Me recordo que antes mesmo de Ícaro nascer, meu primogênito, já tinha uma coleção "fofíssima" de chupetas, com estampas para combinar com todo tipo de traje, o duro foi convencê-lo de deixar ela de lado, já com seus quase quatro anos! Com Rudá, o caçula que está com 10 meses (e dois dentes!), nem titubiei na ideia de dar-lhe a chupeta, mesmo com aquela pressão básica que sofremos por escolher caminhos conscientes e alternativos para criar nossos filhos, assim, ele nunca chupou nada a não ser meus seios até os dias de hoje, para água e sucos uso desde o sexto mês o copo de transição. Como me interesso pelo assunto encontrei dois materiais bem bacanas sobre o tema, dentre eles um relato de Fabíola Cassab - Uma Visão Mamífera das Chupetas, postado no Blog Mamíferas em 16 de março de 2009, sobre sua experiência com o uso e depois a escolha por não usar mais e um artigo de revisão do Jornal de Pediatria, da Sociedade Brasileira de Pediatria sobre os Fatores de Risco para Otite Média Aguda Recorrente, relacionado, entre outros fatores, ao uso de chupeta. E vocês, como administram esse quesito: usar ou não usar? Eis a questão! Desenho de Mariana Massarani_alguns-nunca-largam_

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Leite de Mãe

Na onda de boas ilustrações, como foi nossas páginas virtuais dessa semana, o post deste finzinho de sexta-feira pós partida da seleção canarinho é extraído do blog Deixa Sair, da jornalista e autora de vários livros sobre saúde e alimentação, Sonia Hirsch, com a cartilha Leite de Mãe, em parceria com Cesar Lobo. Confira esses links clicando nas palavras em destaque!

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Parto Normal vs. Cesárea: a magnitude do problema - PARTE I

O artigo Parto Normal vs. Cesárea: a magnitude do problema, redigido pela Dra. Melania Amorim e publicado ontem no Guia do Bebê trata da incidência de cesáreas no mundo e quais são os problemas oriundos dessa prática quando realizada sem necessidade.
Para ler, clique no título acima em destaque.
Confira um trecho: "Ao longo das últimas décadas, as taxas de cesárea têm se elevado em todo o mundo, chegando a atingir taxas superiores a 50% em alguns países da América Latina (1). Esta elevação tem sido vista com preocupação por muitos profissionais de saúde e organizações internacionais incluindo a Organização Mundial de Saúde, uma vez que cesarianas desnecessárias podem se associar a riscos maternos e perinatais (1)."

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Babás

Minhas andanças pelo blog Muitos Desenhos, de Mariana Massarani, ilustradora de livros infantis que adoro e que inclusive nos cedeu o uso do desenho que ilustra nossa logotipo, cuja arte gráfica é de Pata, me fez descobrir uma crônica de Fernanda Torres, publicada na Veja Rio em 06 de janeiro desse ano e que fala sobre babás, cujo título leva esse nome, Babás. No blog Parto no Brasil postei no dia 07 de janeiro uma outra crônica sua, Parto Normal, e refletindo sobre as duas vejo que opinião é algo muito individual e cada um tem a sua mesmo! Leia também e deixe seu comentário! Nos diga o que você pensa sobre as babás, sobre o papel da maternidade nos dias atuais, como você vê a "terceirização" de nossos filhos ou conte-nos sua experiência como mãe/pai! Para ler os textos de Fernanda clique sobre o título das crônicas e aproveite para conhecer/ver os lindos desenhos de Massarani, apaixonantes! Mas, não esqueça de postar seu comentário! Desenho de Mariana Massarani_babas-web_

terça-feira, 22 de junho de 2010

Workshop com Michel Odent em São Paulo/SP

Odent estará na capital paulista dia 10 de julho, sábado, das 10 às 17 horas, falando sobre vida fetal, nascimento e saúde. Inscrições e vagas limitadas! O curso será certificado pelo Primal Health Research, de Londres, para as pessoas que estiverem presentes integralmente na vivência. O investimento é de R$80,00 para estudantes, até dia 03 e R$100,00 após essa data; R$120,00 para quem não é estudante, até dia 03 e R$140,00 após essa data. O evento será na CASA JAYA, na Rua Capote Valente, 305 – Pinheiros (5 minutos do metrô Clínicas). Informações e inscrições com Mayara Boareto pelo e-mail: ma_boareto@hotmail.com

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Nascimento: da fisiologia à prática - PARTE I


"Estamos prontos para amar?".
Foi assim que o obstetra Michel Odent iniciou sua conversa com um grupo de pessoas no Espaço Aobä, em Curitiba/PR, de diversas áreas, incluindo obstetras, enfermeiras, doulas, psicólogas, cientistas sociais etc. em abril, em seu workshop Nascimento: da fisiologia à prática, desta forma, o post de hojé é o resultado da compilação dessa prosa boa (demorou, mas saiu!)!
Nossa sociedade, tecnocrata e cartesiana, não pode aguardar, com naturalidade, a vinda de nossos bebês. A indução do parto, pelo uso de ocitocina sintética, hormônio que contribui com as contrações uterinas, é uma das intervenções mais corriqueiras, mas não aparece nos estudos científicos e nas estatísticas de parto e nascimento, assim, é impossível saber quem teve o processo de Trabalho de Parto (TP) induzido, e, por que não falamos disso? Será apenas "um detalhe"? Por que tantas mulheres precisam de ocitocina sintética? Elas não conseguem naturalmente liberar esse hormônio fundamental para o parto? Será que o lugar em que elas estão parindo influencia? A ocitocina atravessa a placenta? Atinge o bebê? A quantidade introduzida de ocitocina é muito maior do que a produzida pela glândula perianal?
Na literatura médica encontramos apenas um estudo de 1996, de um jornal de Medicina Fetal e Materna em que foram relacionados os índices de ocitocina produzida pela mãe e a sintética introduzida na veia e na artéria umbilical e o que se concluiu, portanto, é que a ocitocina atravessa sim a placenta, assim, quando a mãe recebe ocitocina sintética o bebê também recebe, indo para seu cérebro e ocasionando durante seu efeito estresse nesse precioso momento de vida extra uterina, com a interação dos genes e do ambiente.
Desta forma, interferimos rotineiramente e continuamente no sistema ocitocinógeno dos humanos, que também interfere na vida social e na capacidade de amar.
Atualmente, passamos por um momento de revolução cultural e questionamos o uso demasiado dessa substância, utilizada mundialmente, e reavaliar as estatísticas é de suma importância, pois esse fato não é um "mero detalhe".
Algumas doenças comuns em nossa sociedade estão associadas ao sistema ocitocinógeno, como o autismo e a anorexia, então, vale questionarmos o uso de ocitocina sintética durante o TP. Como conclusão, podemos perceber que estamos no caminho de redescobrir o que há de básico na fisiologia do parto e esquecer tudo o que já foi dito e estudado.
Fisiologia - Período Perinatal: qual a necessidade da mulher no TP?
Podemos redescobrir hoje essas necessidades depois de tantos anos de aplicação científica/cultural/ritualística?
No século XX, descobrimos através de um acúmulo de informações que o bebê precisa da mãe, mas algumas sociedades separam mãe e bebê após o parto, tendo a amamentação atrasada, seja por mitologias culturais ou tecnologias científicas, assim, o instinto protetor agressivo da mãe, inato, é reprimido, anulado pelas culturas, crenças e rituais, sendo o colostro, considerado nos cinco continentes, um fluido que faz mal, justificando, portanto, a separação, mesmo sendo tão precioso... outras crenças também são transmitidas, ritualizadas e difundidas, como o corte do cordão umbilical e a expulsão da placenta.
Nos anos de 1953 e 1954, em um hospital de Paris, ainda como estudante de Medicina, Odent pode acompanhar os procedimentos de parto e nunca os bebês ficavam com as mães após o nascimento, a parteira cortava o cordão e o bebê era separado, comprovando o condicionamento cultural pelo qual sofremos.
A partir de testes de controle randomizados, e a introdução do contato entre mãe/bebê, pele a pele, através da autorização de cômites éticos e a defesa de que o bebê precisa de sua mãe verificou-se a presença de hormônios que flutuavam nesse período perinatal e a produção de anticorpos, assim, se não interferimos na relação mãe/bebê e o filhote encontra o seio na primeira hora após o parto uma imunização bacteriológica natural acontece.
O bebê precisa de sua mãe!
Essa descoberta de suma importância é também aceitável?
Os exemplos tem demonstrado que sim!
Alojamento conjunto: mãe e bebê juntos versus Berçário.
Cuidado Mãe Canguru: criado em Bogotá, na Colômbia, em 1979, sendo a mãe a melhor incubadora.
Mesmo essas práticas serem aceitas intelectualmente tais descobertas culturalmente não foram tão aceitáveis.
Um outro ponto nesta discussão é a presença do pai durante o TP e parto, sendo uma nova "doutrina" aplicada, além das atendentes de parto, com uma nova geração de parteiras e doulas. Desta forma, se foi possível no século XX redescobrir que o bebê precisa da mãe também podemos redescobrir as necessidades da mulher durante o TP.
Nesta perpectiva temos dois entraves que atrapalham o processo fisiológico do parto e nascimento: a Ciência e a cultura, portanto, qual a razão para otimismo?
A fisiologia ultrapassa e supera as intervenções científicas e culturais! A grande questão é o antagonismo entre ocitocina e adrenalina, visto que quando os mamíferos liberam adrenalina não podem liberar ocitocina, o hormônio que facilita as contrações uterinas para o parto e expulsão da placenta e sensações como medo, frio, sentimento de estar acuado ativam o neocórtex, parte do cerébro responsável por "pensar", que garantiu o desenvolvimento dos humanos, produzindo mais adrenalina!
Durante o parto ou outros processos sexuais inibições do neocórtex interferem no desenvolvimento dos mesmos, assim, quando falamos de fisiologia do parto temos que centralizar na ocitocina, como ocorre sua liberação, quais são os fatores para a sua produção, tendo em vista que em pessoas tensas e ou observadas age como um "hormônio tímido", portanto, temos que verificar as situações que dependem da liberação da ocitocina.
Tanto a ocitocina como a endorfina estão presentes em todos os processos sexuais, reflexo de ejeção, como da ereção, do esperma, da lubrificação vaginal, do feto, do leite.
Em todas as sociedades, até àquelas em que são mais livres, casais se isolam para copular. No reflexo de ejeção do leite, por exemplo, quando a mulher está sozinha, em um lugar escuro, com portas e janelas fechadas esse processo é mais fácil.
Mas, existem estratégias para não observação quando se está parindo? Em sociedades pré agriculturas, mulheres se isolavam para parir, comprovados em documentos antropológicos, assim, os partos ocorriam na floresta, em casas específicas para o parto e quando acompanhadas eram de uma figura materna, como a mãe, avó, tia, parteira ou outra mulher, nesta medida a origem do ofício das parteiras surge como protetoras do espaço.
Mas, as coisas mudaram de lá para cá...
Atualmente, o parto é um evento socializado! Esqueceram que a ocitocina é um hormônio tímido.
E o papel da parteira ganha outros contornos. Antes ela era a mãe ou outra mulher experiente, hoje ela tem o controle do processo, guia a mulher, realiza alguns procedimentos de intervenção, como o uso de ervas, massagens, toques para acelerar o TP ou aliviar as dores da parturiente; quando as mulheres começaram a parir em suas casas o processo de socialização do parto se desenvolveu, e isso historicamente é recente, tendo início em meados do século XX, quando ainda parto era assunto de mulher e ser obstetra era usar o fórceps; ninguém, ainda, antes disso, tinha pensado no acompanhante de parto e na presença do homem nesse momento.
Foto: Acervo Espaço Aobä.
* Quer ler mais sobre Michel Odent no Blog Parto no Brasil? Clique aqui! *

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Estrelinha lá no céu

Meu filho Ícaro fala que quando alguém falece "vira estrelinha"... hoje perdemos o escritor português José Saramago, que completa mais um pontinho brilhante no céu... vá em paz! Um pouco de seus poemas -
Retrato do poeta quando jovem - Há na memória um rio onde navegam os barcos da infância, em arcadas de ramos inquietos que despregam sobre as águas as folhas recurvadas. Há um bater de remos compassado no silêncio da lisa madrugada, ondas brancas se afastam para o lado com o rumor da seda amarrotada. Há um nascer do sol no sítio exacto, àhora que mais conta duma vida, um acordar dos olhos e do tacto, um ansiar de sede inextinguida. Há um retrato de água e de quebranto que do fundo rompeu desta memória, etudo quanto é rio abre no canto que conta do retrato a velha história. (Integrante de Os Poemas Possíveis, Editorial Caminho, Lisboa, 1981 - 3ª ed.). Saramago também escreveu O evangelho segundo Jesus Cristo, Memorial de um Convento e Ensaio sobre à Cegueira.

Meu bebê é como um vício

Por que o feminismo não admite o prazer de ser mãe?
Por Katie Roiphe
Nas seis semanas que se seguiram ao nascimento do meu bebê, pareço ter perdido todas as ambições mundanas. Só com pavor consigo pensar no retorno ao trabalho. Tenho uma aula para dar. Tenho de voltar a escrever. Mas a ideia de falar de ideias diante de alunos ou de digitar uma frase coerente (ou seja, minha vida normal) mostra-se implausível. Parte do meu medo de voltar ao trabalho reflete algumas das minhas incapacidades. Outro dia, ficou claro que eu careço das faculdades intelectuais para arrumar uma mesa: era desafiador demais manter na cabeça, no caminho da cozinha para o terraço, o número de pessoas no jantar. Uma das causas disso pode ser atribuída aos meus hormônios; outra, certamente, é a falta de sono, por culpa das noites de vigília.
Quando o bebê tinha quatro semanas, tive de fazer uma leitura na (livraria) Barnes & Noble junto com Gay Talese, já que eu havia escrito a introdução do seu A Mulher do Próximo. Naquela noite, deixei o bebê com alguém em quem tenho completa e absoluta confiança. Consegui pôr um vestido e ficar parecida com a "pessoa que faz leituras" que eu costumava ser. Mas, quando saí à rua, senti como se estivesse me faltando um membro. Embora Talese, sob qualquer parâmetro objetivo, fosse absorvente, minha concentração claudicou. Enquanto as pessoas faziam perguntas, eu calculava quanto tempo o táxi levaria para me deixar em casa.
Durante o percurso de volta ao lar, chorei. Só quando o bebê estava novamente nos meus braços eu me senti bem outra vez. Lembro-me de ter visitado uma das minhas melhores amigas durante a sua licença-maternidade. Ela é escritora, e conversamos sobre como as autoras que mais admiramos não tiveram filhos, ou no máximo tiveram só um, mas nunca dois. (Edith Wharton, Virginia Woolf e Jane Austen não tiveram filhos; Mary McCarthy, Rebecca West, Joan Didion e Janet Malcolm tiveram um.) Minha amiga olhou para a sua recém-nascida e para seus diminutos cílios. Ela poderia manter a conversa de forma acadêmica, mas ao ajustar o chapéu da menina eu pude ver como ela estava alheia a qualquer outra coisa que pudesse interessá-la.
As pessoas costumam comparar o fato de ter um bebê aos primeiros dias de um namoro, o que faz sentido até certo ponto. Mas a fixação física e o anseio pelo bebê são muito mais intensos. Com que frequência num namoro você se vê literalmente às lágrimas porque ficou longe de um homem durante três horas? Imagino que uma metáfora melhor seria a dependência química.
Uma das desonestidades menores do movimento feminista tem sido subestimar a paixão dessa fase da vida, para em vez disso tentar uma avaliação racional e politicamente vantajosa. Historicamente, as feministas enfatizam as dificuldades e o peso de se tornar mãe. Elas tentaram traçar uma analogia entre a puericultura e o trabalho masculino; então, por muito tempo as mulheres chamaram a maternidade de "vocação". A tarefa de cuidar de um bebê é árdua e exigente, é claro, mas é mais bárbara e narcótica do que qualquer tipo de trabalho que eu já tenha feito.
Imagino que pessoas normalmente inteligentes e descomplicadas achem esse tipo de conversa sobre bebês muito chato. Noto que, quando tento me forçar a conversar sobre outra coisa que não o meu filhote, tenho de pensar: "Agora é hora de conversar sobre outra coisa que não o bebê". Admito vagamente que isso é que é maçante nos pais, e certamente na nossa atual cultura da paternidade/ maternidade: esse fluxo subterrâneo de autocongratulação.
Parte da atração da licença-maternidade é precisamente esta: você abre mão de tudo. Os livros na estante não são os seus livros; as roupas penduradas no armário não são as suas roupas. Você é o animal vago, lento e exausto, tomando conta dos seus filhotes. Qualquer coisa graciosa, original, aguda ou inteligente que você tivesse sumiu, é a negação total do mundo exterior – mas eis o apelo desse período.
Sei que em algum lugar por aí há um grande mundo, onde as pessoas conversam, pensam e escrevem, mas ainda não estou interessada em ir para lá.
Katie Roiphe é escritora e jornalista especializada em temas femininos.
Foto: Anne Geddes.
Fonte: Ediçao especial Veja Mulher, maio de 2010.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Vale a pena espiar as leituras

Algumas indicações de matérias encontradas pelo cyber espaço, em busca de boa informação com embasamento e esclarecimento! Os links vão desde um especial do Diário de Pernambuco - Á Luz, com um panorama do parto humanizado e diversas experiências e ações pelo País (incluído também em nossa sessão Consulta - web); dois textos da Dra. Andreia Mortensen sobre cama compartilhada e a natureza do sono do bebê, encontrados no Blog Bebedubem, de Flavia Penido e Kátia Zeny, além do artigo já disponibilizado em maio pela Dra. MD PhD Melania Amorim sobre evidências sobre parto na água, acompanhado do vídeo de um parto na água amparado por sua equipe. Para finalizar, o trailler encontrado no Youtube do vídeo Orgasmic Birth! Divirtam-se!!!

"Tirania da mãe perfeita": maternidade e feminismos



Pessoal, nos últimos anos, as teorias e movimentos políticos feministas concordaram que não existe "uma mulher", no sentido de que haveria uma natureza essencialmente feminina determinante do comportamento e emoções de todas as mulheres do mundo. Para os feminismos (no plural, porque são várias correntes), somos todas singulares e específicas. Isso porque somos animais culturais, e é justamente a dinâmica cultural que nos torna únicas. Assim, o debate sobre parto, maternidade, amamentação é sempre bastante complexo nestes meios. E para botar lenha aqui no nosso fogo, hoje eu trago uma matéria da BBC publicada no portal eletrônico Diário da Saúde, sobre o mais novo livro da filósofa feminista Elizabeth Badinter. O texto me foi enviado por uma colega do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da UFSC, a Heloisa Regina Souza, que também pesquisa o parto no Brasil. Na matéria vocês lerão o porque
"A filósofa acusa os movimentos ecológicos de contribuir para a regressão do papel da mulher na sociedade ao 'impor' a amamentação, o uso de fraldas de pano, e a necessidade de alimentar os bebês somente com produtos naturais preparados em casa."

Também vão ler:

"Não somos todas iguais, como os chipanzés. Há mulheres que não gostam de amamentar."
Acesse aqui a matéria completa. O outro polêmico livro de Elizabeth Badinter ("Um amor conquistado: o mito do amor materno") está disponível na internet, o link você encontra aqui no Blog Parto no Brasil, na seção Estante. Boa leitura!

quarta-feira, 16 de junho de 2010

O corte por cima e o corte por baixo


“Se eu fosse mulher já teria, sei lá, pegado em armas, porque é muita violência... Ela vai para a maternidade e ou lhe fazem um corte na barriga, desnecessário na maioria das vezes, ou no períneo. De todo jeito alguém vai atacá-la com uma faca” Álvaro Atallah (Lattes), do Centro Cochrane do Brasil, em seminário (Práticas Obstétricas Baseadas em Evidências), no Instituto de Saúde de São Paulo, 1999.
Dias atrás, conheci uma mulher que teve seu primeiro filho por um parto "natural" que a traumatizou. Aconteceu há mais de dez anos, nos EUA, segundo ela, num centro de referência para o parto natural, todo "estiloso-natureba". O TP foi longo, a episio infeccionou. Foram mais de seis meses de tratamento da cicatriz. Advinha como nasceu o segundo filho? Em Florianópolis, cidade que é referência para os partos natural, domiciliar e vertical, ela teve dificuldades em encontrar um GO que topasse marcar a data da cesareana. "A recuperação foi bem melhor!", disse ela enfatizando muito o "beeeeeem melhor". É o tipo de encontro que nos faz rever todo o cenário do parto. Eu fiquei imaginando quantos meses mais foram necessários para tratar "da alma" daquela mulher da episio infeccionada... e o que o corte passou a simbolizar para esta mulher ainda não cicatrizou. Nesse climão pesado de violência contra as mulheres, e sobre o assunto do "corte por cima ou corte por baixo", indico a leitura do artigo da profa. Simone Diniz da Faculdade de Saúde Pública - FSP/USP: http://www.mulheres.org.br/rhm1/revista1/80-91.pdf, que é de onde tirei a citação do Atallah. Também indico o vídeo que a Bianca encontrou no Youtube, de um parto tenebroso, e infelizmente, ainda comum. Acesse: http://www.youtube.com/watch?v=_7BkISrU1Tg&NR=1

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Glossário

Para tirar dúvidas e ou esclarecer termos técnicos ligados a questão do parto e nascimento dê uma olhada no Glossário que a Parto do Princípio disponibiliza aqui.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Direitos da gestante

No Blog da Zazou há uma série de posts sobre os direitos da grávida, clique aqui para conferir! Foto de Bianca Lanu, arte de Silmara Guerreiro.

Acompanhante no parto: todas nós temos direito

A Rede Parto do Princípio iniciou a divulgação essa semana no site das Leis, Portarias e Resoluções que amparam o direito ao acompanhante no parto, além de um FAQ com perguntas frequentes de como proceder em caso de descumprimento dessa Lei Federal que está em vigor há cinco anos e também uma página para denúncia. Com a colaboração de Cris Kondo essa nova sessão da Parto do Princípio também dispõe de um endereço eletrônico para esclarecimento de dúvidas, basta escrever! Conheça ainda a campanha realizada no Dia da Mulher pela PP, em território nacional!

XI Encontro Nacional de Aleitamento Materno

Teve início dia 08 de junho, terça-feira, em Santos, litoral paulista, no Mendes Convention Center, o XI Encontro Nacional de Aleitamento Materno - ENAM, com o tema Fortalecendo as redes de promoção, proteção e apoio do aleitamento materno e da alimentação complementar, que ocorre até o dia 12, com a presença de vários profissionais e palestras. Mais informações aqui! Além do evento, hoje mil mães se reuniram na ação Mil Mães Amamentando, no Emissário Submarino, na Praia José Menino, a partir das 15 horas, organizada pela Rede Social de Amamentação Santos e Região, co-realizadora do ENAM.

Palestra com Jean-Paul Rességuier

Aconteceu hoje, dia 09 de maio, no Golden Park Hotel, no Rio de Janeiro/RJ, a palestra gratuita Maternidade e Feminilidade com Jean-Paul Rességuier, pesquisador e criador do Método Rességuier de reabilitação que se baseia essencialmente na integração da qualidade de presença na relação terapêutica. Mais informações aqui!

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Chuva e internet

Pós feriadinho recheado a chuva e leituras na internet, intercalado com os cuidados com a cria, que descobriu como abrir a porta do banheiro, rs!!!

Estou de saco cheio

Maravilhosos (e complementares!) os dois últimos posts do Blog Mamíferas, de Kathy e Kalu, respectivamente - Exercitando a ironia & Chega de ladainha. Ativismo na rede! Perdõem a falta de neutralidade antropológica, mas a bandeira da humanização, muito mais que a imparcialidade científica de meu ofício (uma faca de dois gumes) me cercou... ainda sonho (e acredito) em um mundo onde mulheres possam parir com respeito e bebês nascerem amparados com amor!

Por aí

No Blog de Gisele Bündchen tem uma sessão interessante sobre parto humanizado, vale a pena uma espiada - O Despertar da Vida, clique aqui!

Visita Aberta e Direito ao Acompanhante

Visita aberta é um dispositivo da Política Nacional de Humanização, do Ministério da Saúde, que amplia o acesso dos visitantes às unidades de internação para garantir o elo entre o paciente, sua família, amigos, enfim, sua rede social e os serviços da rede de saúde. O acompanhante representa a rede social da pessoa internada e está com ela durante toda sua permanência nos ambientes de assistência a saúde.

Para que serve esse dispositivo?

Visitas e acompanhantes fazem bem à saúde! São representantes legítimos da pessoa internada e ajudam na sua reabilitação. A presença de um visitante no ambiente hospitalar possibilita que a equipe de saúde capte dados do contexto de vida da pessoa internada e do momento existencial por ela vivido, possibilitando um diagnóstico abrangente. Ela auxilia ainda na identificação das necessidades da pessoa internada e, através das informações fornecidas pela família e amigos, a equipe de saúde pode elaborar e acompanhar com mais eficácia seu projeto terapêutico singular.

A presença de visitantes/acompanhantes de forma mais constante no ambiente hospitalar traz o 'cheiro' da comunidade a este ambiente, tornando a comunidade também responsável e co-produtora do cuidado, aumentando a autonomia dos membros da família quanto ao seu papel de cuidadores leigos. O acompanhante colabora na observação das alterações do quadro clínico e comunica-os a equipe. Além disso, esse dispositivo mantém a inserção social do doente durante sua internação, que pode perceber a participação dos familiares no tratamento, fortalecendo sua identidade e auto-estima.

Então, todo paciente do SUS tem direito a visita e acompanhante?

De acordo com a carta dos direitos dos usuários em saúde, as crianças, adolescentes, pessoas com deficiência e idosos têm direito a acompanhamento durante todo o período de internação. A lei 11.108 de 07 de abril de 2005 dá à mulher o direito de ter, durante o trabalho de parto, parto e pós-parto, um acompanhante de sua escolha, e recomenda que toda maternidade adapte seu espaço físico para receber este acompanhante. Os demais usuários têm direito a visita diária de no mínimo duas horas durante as internações, com exceção para situações técnicas contra indicadas. A proposta da visita aberta é mais ousada e tem demonstrado ser possível. Hospitais têm ampliado seus horários de visita para até dez horas por dia, constatando que este dispositivo de inclusão traz novos padrões de comportamento, aumentando a solidariedade e o compromisso de todos para com o cuidado.

Como implantar a visita aberta e direito ao acompanhante?

• Conhecer experiências de hospitais que já implantaram este dispositivo, e os dados referentes aos dias de internação, infecção hospitalar, satisfação dos usuários e trabalhadores;

• Promover atividades de sensibilização com todos os setores do hospital;

• Construir de forma coletiva os passos para a implantação, envolvendo o pessoal da portaria, administração, enfermarias, copa, laboratório, etc.;

• Adequar espaços para a permanência de visitas/acompanhantes fora dos quartos, como por exemplo, áreas verdes que podem ser adaptadas, varandas;

• Informar à comunidade e abrir espaço de discussão permanente sobre o dispositivo (rodas de conversa no hospital).

Para mais informações sobre visita aberta e direito ao acompanhante, acesse o site da Política Nacional de Humanização.

Fonte: http://bvsms.saude.gov.br/html/pt/dicas/165visita_aberta

Biblioteca Multimídia

Para àqueles que gostam de pesquisar e ler uma ótima dica, repassada por Ana Carolina, da Biblioteca Multimídia da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca - ENSP, do Rio de Janeiro/RJ, com muitas opções de pesquisas, teses, cartilhas etc. Vale a pena conferir, clique aqui! Desenho de Ziraldo.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Renascença

Conheça o segundo post do Blog Parto no Brasil, sobre o livro "Dar à Luz... Renascer", de Lívia Penna Firme Rodrigues: acesse aqui.
Sou mulher, sou mãe, sou deusa, e assim mereço ser cuidada. Se parir faz parte da natureza, que esta força seja respeitada. Respeitada pelos homens e por mim mesma, pois fazemos a humanidade crescer. Que as cesáreas, induções, tecnologia, sejam usadas com magia e saber. Saber que os médicos dominam, e nós, mulheres, também. Conhecendo nosso corpo e instinto, sabemos mais do que ninguém. Portanto, minha gente, é hora de parir como e com quem quiser. Se durante a noite ou na aurora, a ordem é esperar quando vier. Chega de intervir na natureza! As mulheres precisam compreender, receber o bebê no coração, experimentar o "dar à luz e renascer".

terça-feira, 1 de junho de 2010

A Cama de Procusto

Por Dr. Ric Jones
"Procrusto era um bandido que vivia na serra de Eleusis. Em sua casa, ele tinha uma cama de ferro, que tinha seu exato tamanho, para a qual convidava todos os viajantes para se deitarem. Se os hóspedes fossem demasiados altos, ele amputava o excesso de comprimento para ajustá-los à cama, os que tinham com pequena estatura, eram esticados até atingirem o comprimento suficiente. Ninguém sobrevivia, pois nunca uma vítima se ajustava exatamente ao tamanho da cama. Procusto representa a intolerância do homem em relação ao seu seme­lhante. O mito já foi usado como metáfora para criticar tentativas de imposição de um padrão em várias áreas do conhecimento, como na economia, na política, na educação, na história, na ciência e na admi­nistração." (Wikipedia)
Eu, obviamente, incluiria a sanha homogeneizante da biomedicina contemporânea como exemplo entre os acima.
Se o mito existe, então é representativo do inconsciente coletivo. Passou pelo imaginário social e deixou sua marca na ficção. Segundo o psicanalista Slavoj Zizec, aquilo que é insuportável aos sentidos e à razão brota do inconsciente como narrativa ficcional. E mito.
O Mito, portanto, está querendo nos dizer algo a respeito dos "core values", dos valores funda­mentais que sustentam a cultura. Os mitos nos levam (direta ou indiretamente) ao poço pro­fundo onde se encravam as pilastras dos nossos códigos valorativos. Porque cortar as pernas e "normatizar" os visitantes? Porque tínhamos que nos adaptar à cama de Procusto?
Seremos nós, profissionais da saúde, vigários da "Religião da Boa Saúde" os Procustos hodi­ernos? Teremos todos que morrer (ou sofrer as agruras de uma homogeneização abjeta e cruel) se não coubermos nos moldes impostos pela tecnocracia?
É sempre surpreendente (porém esclarecedor) perceber quanta dificuldade nós (da área biomé­dica) temos para aceitar o fato de que as expressões da oralidade são manifestações de con­teúdos psicológicos de ordem inconsciente, as quais se enraízam no oceano obscuro das vi­vências sexuais infantis. Ao mesmo tempo em que tentamos tratar o "evento" chupar dedo (ou chupeta), fechamos - freqüentemente - os olhos às questões a serem resolvidas pela pró­pria criança no que diz respeito à satisfação das necessidades fundamentais do seu desenvolvimento. Pior: tentamos estabelecer tratamentos às vezes cruéis (meu tio tinha as unhas pintadas com Buscopan para afastar o dedo na boca) no afã de restituir uma "normali­dade" por nós (tecno-bio-medicina) estabelecida sem levar em conta a subjetividade (das constituições e dos caminhos trilhados).
Na área do nascimento humano o mesmo tratamento des-umano se observa quando forçamos o tempo de nascer dentro de normas rígidas, cegando-nos à evidência avassaladora de que ninguém ama igual, ninguém geme igual e ninguém vai parir da mesma forma. Os tempos são construídos sobre a rocha bruta das emoções vividas, e estas são irreprodutíveis. Somos ca­minhantes das estrelas e temos nosso pegadas na poeira das estrelas, como dizia Max, e isso nos confere uma vivência absolutamente particular do universo à nossa volta. É a "paralaxe" que Zizec nos fala: a capacidade de encarar o mesmo evento (amar, amamentar, chupar o dedo, parir) de ângulos diversos, e com isso observar objetos distintos, em função de subjetivi­dades únicas. Na obstetrícia contemporânea, as curvas de Friedmann, usadas para estabele­cer tempos de trabalho de parto, são usadas como "moldes" nos quais as mulheres precisam forçadamente se adaptar, sob pena de serem vítimas do bisturi fatal a lhes cortar a carne e os sonhos acalentados.
Zeza sempre me dizia que um dia virá em que um funcionário de Motel baterá à porta de um casal que namora acima de tempo normal padronizado, segundo a "curva de Ric"... E dirá: "Vocês não podem mais ficar aí. É perigoso. O tempo médio de utilização libidinosa destas sala já foi ultrapassado. Saiam, ou arrombaremos".
Chupamos dedos, mamamos, amamos e trepamos de acordo com uma história que é única, mas a visão positivista e homogeneizante da sociedade espera que nos adaptemos ao modelo imposto por uma noção tacanha de "normalidade".
Não se iluda: a mesma força que nos obriga a inexorabilidade no tratamento das crianças que chupam dedo também se faz presente na visão diminutiva do sujeito que ama e pari.
Segundo Maximilian é a mais brutalizante das epidemias médicas: a "normose"...
A propósito... Friedmann nunca desejou que suas curvas fossem utilizadas para normatizar o nascimento humano. Da mesma forma que estabelecemos a altura média das pessoas em um determinado local ou país, fizemos com o parto - e o desenvolvimento infantil. Mas ainda não vi ninguém cortando pernas para que alguém se adaptasse ao tamanho médio da popu­lação. Por enquanto, pois o espectro de Procusto paira sobre nossas cabeças.
* O texto redigido circulou na lista virtual Parto Nosso em maio de 2010.
Imagem: The Modern Bed of Procustes - Punch Cartoon.

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