terça-feira, 16 de agosto de 2011

Ainda sobre a importância da paternidade

Larry Poncho Brown - The Spirit of Fatherhood
Para continuar valorizando a paternidade, o Blog Parto no Brasil propõe uma reflexão sobre o poder da ausência.
Publicamos o texto da médica de Rondônia, Ida Peréa, que circulou na lista da ReHuNa, indicado por Daphne Rattner.
Em resposta ao texto, outra notícia sobre esta questão veio à tona: O Censo Escolar de 2009, detectou mais de 4,8 milhões de estudantes com pai não declarado - 3,8 milhões são menores de 18 anos. Diante deste levantamento, a Corregedoria Nacional de Justiça instituiu o programa Pai Presente:
O objetivo é identificar os pais que não reconhecem seus filhos e garantir que assumam as suas responsabilidades, contribuindo para o bom desenvolvimento psicológico e social dos filhos.
Fonte:
http://www.cnj.jus.br/provimentos-atos-corregedoria/12768-provimento-no-12-de-6-de-agosto-de-2010
Boa leitura!
Pais desertores, crianças na lixeira!
Ida Peréa
Médica, mulher, mãe , avó, cidadã...
Gostaria de iniciar esta conversa assim: “hoje ao ligar a televisão para assistir ao noticiário matinal fui surpreendida com a terrível notícia que uma mulher deixou seu filho em uma lixeira”. Seria uma maneira bonita e até eloquente de iniciar. Acontece que não seria verdade, pois fato semelhante já não me surpreende embora me deixe consternada e apreensiva, dada a frequência com que ocorre. E desta vez a própria mãe (que deixou a criança na lixeira) ligou para a polícia, certamente preocupada com seu bebê. Em seu depoimento à polícia devidamente gravado pelo meio de comunicação, a mãe confessou que deixou seu filho na lixeira por que, segundo ela, não tinha condições de criá-lo, mas ligou para a polícia e ficou aguardando para ter certeza que a criança ficaria bem.
Em seguida a matéria mostrou entrevista com trabalhadoras do hospital para onde foram levados mãe e filho e como era de se esperar, todas fizeram mais ou menos a mesma fala; “como uma MÃE tem coragem de abandonar seu filho?”
Mas como já disse, este não é um caso isolado muito menos raro e muito menos novo como mostram as manchetes:
“Desprezo materno: Mulher abandona menino no Rio de Janeiro e o manda procurar outra mãe” Veja 11/10/2000
“Mulher abandona filho recém-nascido em banheiro de oficina em Belo Horizonte” Globo Minas 20/09/2009
“Mulher que abandonou o bebê no lixo, tem ao todo dez filhos” BRA notícias 27/04/2011
“Mulher é presa depois de abandonar bebê de 3 meses” Manchete on line 18/04/2011
Em uma rápida busca na internet qualquer um encontrará inúmeras histórias de mulheres que descartam seus filho(a)s em lixeiras, banheiros, lagoas, etc. e certamente nem tomamos conhecimento daquelas que os abandonam nas florestas, nos rios (os filhos de boto), porque lá de tão ermo, a imprensa nem chega...
Mas nos casos que viraram notícia e que tive oportunidade de assistir, vi com tristeza rostos alguns endurecidos outros transtornados outros assustados e todos muito, muito solitários. Olhares que não buscavam nada e nem ninguém, provavelmente porque não tinham a quem buscar. Ninguém quer ser parte de uma história tão abominável. Para uma sociedade que professa o cristianismo mariano que tem em Maria Mãe, o modelo feminino a ser buscado com forma de perfeição é difícil evitar o sentimento de repulsa por um ser humano que tem coragem de abandonar de forma tão cruel sua cria, sangue do seu sangue, carne da sua carne. Há quem até questione a humanidade destas mulheres.
Mas sabe o me chama atenção? Jamais vi qualquer manchete assim: “Desprezo paterno: homem abandona filho...” ou “homem é preso após abandonar bebê na barriga da mãe”, ou após o nascimento ou a qualquer momento da vida... Como será que nós reagiríamos diante de tais notícias? Numa sociedade machista e patriarcal onde a masculinidade pressupõe apenas a direitos e nenhum dever, seria realmente espantoso...
Ao longo da história deste país, aos homens foi dado o direito de gerar filhos sem a menor preocupação ou responsabilidade e de abandoná-los sem o menor remorso ou receio de punição.
O estabelecimento da filiação paterna, na legislação e na cultura patriarcal brasileira está fortemente vinculado à vontade e ao arbítrio do homem-pai e está efetivamente garantido apenas para as crianças nascidas dentro da família tradicional.
Os números de NÃO reconhecimento paternos no Brasil, que chegam à espantosa cifra de 30% em alguns municípios, constituem uma perversa modalidade de machismo que impacta negativamente a vida das crianças e das mulheres que sozinhas, sem a solidariedade do companheiro, arcam com todos os encargos financeiros e sociais assumindo inteira responsabilidade pelo futuro da prole. O quadro torna-se particularmente devastador quando esta mãe (mulher/menina) é adolescente com baixa escolaridade constituindo um circulo de total vulnerabilidade para todos os membros daquele grupo familiar
Fico imaginando se somos mesmo um estado democrático... Que democracia é esta onde 30% dos cidadãos e cidadãs já nascem capengas de um direito elementar que é a identidade biológica?
E a proverbial e internacionalmente famosa solidariedade do povo brasileiro? Só fachada! Como posso acreditar na solidariedade de homens que abandonam suas mulheres e seus próprios filhos?
Espero viver o suficiente para ver os homens do meu país transformados em cidadãos realmente solidários; homens que ao praticar sexo com uma mulher, pensem que aquela relação pode gerar uma criança e se ele não tem intenção de assumi-la deve se proteger; homens que ao gerar uma criança assumam com ela, com a mulher que engravidou e consigo próprio um compromisso de solidariedade com o sustento, com a educação e com futuro daquela criança.
Enquanto existirem homens desertores teremos crianças na lixeira.

Um comentário:

  1. Uau!
    Soco no estômago!
    E, num é? Até olhando por esse viés encontramos o patriarcalismo em nossa frente!
    Mãe, Maria, imaculada. È... não temos nossos clitóris extraídos, não sofremos c/ fístulas obstétricas, mas temos nossas vaginas cortadas, mesmo q sem necessidade, apenas p/ firmar o poder masculino.
    Qdo iremos insurgir?
    Qdo?
    Muita luta, não é?!
    E seguimos, "braços dados, ou não...".

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