A Bianca e a Carolina pediram-me para escrever sobre o panorama obstétrico português, e apesar de sentir que não tenho os conhecimentos necessários (não sou médica, nem enfermeira, nem doula), decidi aceitar o desafio baseando-me na minha própria experiência e nos testemunhos que li de outras mulheres.
O parto em Portugal ainda é muito medicalizado, quer nas instituições públicas quer nas privadas. À excepção de casos muito específicos, nos hospitais públicos tenta-se sempre 1º o parto normal, e nos hospitais privados, regra geral, prevalece a "vontade" da mulher. Mas antes de falar sobre o parto, gostaria de referir o que acontece durante a gravidez.
Confesso que não sei percentagens, mas um grande nº de mulheres em Portugal é seguida por um médico obstetra particular, mesmo que depois optem por ter o bebé num hospital público. Durante as consultas é realizada a auscultação fetal e a grávida é sempre sujeita ao toque vaginal, independentemente do tempo de gestação. Fazem-se várias ecografias ao longo da gravidez, no consultório do próprio médico ou em centros especializados. Algo que agora é muito procurado pelas futuras mães são as ecografias a 3 e a 4 dimensões. As mulheres que optam pelo serviço nacional de saúde, são acompanhadas pelo médico de família (clínico geral) e o enfermeiro obstetra do centro de saúde da sua área de residência. Nestas consultas por vezes são feitos alguns toques vaginais e apenas são realizadas 3 ecografias obrigatórias. A partir das 37 semanas as grávidas são encaminhadas para o hospital público, onde fazem CTG e começam a ser sujeitas a toques vaginais em todas as consultas. Independentemente da mulher ser seguida no público ou no privado, é aconselhada a fazer o rastreio bioquímico, para despiste de algumas doenças genéticas do bebé. Muitas mulheres são sujeitas desnecessariamente à amniocentese (exame muito invasivo, com uma pequena probabilidade de aborto espontâneo) devido a falsos positivos do rastreio.
Aborda-se a questão física, mas raramente se dá importância à questão Emocional e Espiritual da Gravidez e do Parto. A Intuição e o Instinto há muito que desapareceram e a confiança e a segurança são apenas sentidas através dos médicos e da tecnologia. A mulher portuguesa (talvez o correcto seja, a mulher ocidental) está distante da sua Feminilidade, da sua Sexualidade, do seu Corpo e principalmente está muito muito sozinha nesta caminhada que é a Maternidade. Existe uma alienação feminina, a responsabilidade perante a gravidez e o parto tem uma carga demasiado pesada para a Mulher na nossa sociedade e por isso coloca-se inteiramente nas mãos dos médicos que ilusoriamente assumem a responsabilidade.
Esperar até às 42 semanas de gestação (tendo uma gravidez de baixo risco, sem qualquer problema) é uma raridade em Portugal. Nos hospitais públicos espera-se no máximo até às 41, mas assim que é alcançada a meta das 40 semanas, a grávida começa a ser "pressionada" sobre a indução do parto, estando ela e o bebé saudáveis. É por volta desta altura que se faz o chamado toque "maldoso", em que os profissionais de saúde tentam acelerar o início do trabalho de parto, fazendo o descolamento das membranas. Este procedimento é feito muitas vezes sem o consentimento informado da mulher.
Ainda antes de chegarem às 40 semanas, muitas mulheres são aconselhadas a fazerem induções ou cesarianas desnecessárias, sendo que estas últimas acontecem principalmente nos hospitais privados. Os motivos são os mais variados: a ecografia mostra que o bebé já está muito grande (sabe-se que as ecografias não dão valores exactos, mas sim uma aproximação), o obstetra determina que há incompatibilidade feto-pélvica (isto só é possível de saber quando a mulher já está em trabalho de parto e nunca antes), verifica-se a presença de circulares do cordão umbilical (muitas vezes não representam perigo de vida para o bebé), o médico vai de férias e a grávida precisa de sentir a segurança que o seu obstetra lhe transmite... Apesar de em 2010 a taxa de cesarianas ter descido de 33% para 31,5%, ainda está muito acima do valor recomendado pela Organização Mundial de Saúde (15%).
O parto é visto como um momento de sofrimento, a mulher é constantemente bombardeada com histórias de terror, por isso a maioria das grávidas portuguesas já dão entrada no hospital decididas a levar epidural. Claro que há partos difíceis e por vezes uma dose mínima de epidural pode, de facto, ajudar no processo. Mas o verdadeiro terror não são as dores das contracções e sim praticamente todas as intervenções que a mulher sofre quando está a parir num hospital. Em Portugal a parturiente é sujeita a vários procedimentos médicos de forma rotineira: enema, soro com ocitocina, CTG contínuo, toques vaginais constantes, amniotomia... A mulher em trabalho de parto passa o tempo todo deitada, mesmo antes de levar epidural, pois é obrigada a estar ligada ao CTG. Normalmente só permitem à mulher beber uns golinhos de água ou chá servido num mísero copinho. Raras são as mulheres que não sofrem uma episiotomia e normalmente aquando da expulsão a parturiente encontra-se deitada ou numa posição semelhante, já para não referir a manobra de Kristeller (fazer força com os braços na barriga da mulher para supostamente ajudar o bebé a nascer), muitas vezes usada pelos enfermeiros e médicos.
Normalmente a mulher portuguesa não encontra apoio e carinho quando dá entrada num hospital público para ter o seu bebé. Até pode ter a sorte de lhe calhar uma equipa simpática, mas de um modo geral está sujeita à indiferença, frieza e conhecimentos em nada respeitadores da fisiologia do parto. À parturiente só é permitido um acompanhante, que é obrigado a sair aquando da administração da epidural e no caso de se recorrer a ventosa/fórceps ou ter que se fazer uma cesariana. A juntar a isto, muitas vezes a mulher ouve comentários desagradáveis e irónicos por parte dos profissionais de saúde. Claro que também existem histórias de parto em que as mulheres se sentiram respeitadas pela equipa médica, mas acredito que sejam uma minoria. Nos hospitais privados a mulher pode ter 2 acompanhantes e normalmente permitem 1 acompanhante no caso de ser cesariana, mas também aqui não se respeita a fisiologia do parto, aliás é nestes hospitais que ocorrem a maioria das cesarianas eletivas.
As Doulas surgiram em Portugal há cerca de 7 anos, mas infelizmente ainda pouco ou nada podem fazer pelas mulheres que optam por ter os seus filhos nos hospitais. Nestas instituições a Doula é vista como uma ameaça, como alguém que vai atrapalhar o trabalho dos profissionais de saúde, com questões e sugestões nada bem-vindas. Penso que são poucas as mulheres acompanhadas por uma Doula durante o parto no hospital, mas há alguns casos (eu fui uma dessas mulheres).
Desconheço números recentes sobre o parto domiciliar em Portugal, mas segundo dados do INE (Instituto Nacional de Estatística) verificou-se um aumento destes partos até 2007. No ano 2000 houve 511 partos em casa, em 2002 nasceram mais de 700 bebés no domicílio e em 2007 nasceram 1012 bebés em casa, mais 299 do que em 2006. Penso que o motivo por trás deste aumento se relaciona com o facto da mulher querer fugir aos procedimentos invasivos e desnecessários a que é sujeita no hospital, embora acredite que existam alguns casais que optam por ter o seu bebé em casa porque é o que faz sentido para eles. No entanto, o parto domiciliar em Portugal não é regulamentado, existem poucos enfermeiros obstetras a acompanharem este tipo de parto e praticamente não há informação sobre isso.
O movimento pelo Parto Respeitado, está a crescer aos poucos em Portugal, mas ainda há um longo caminho a percorrer. Existe apenas um hospital público que permite à parturiente fazer a dilatação dentro de água, numa piscina insuflável, em que os profissionais de saúde tentam respeitar a fisiologia do processo e permitir à mulher ter um parto natural. Também existe uma clínica e um hospital privado, onde mais recentemente começaram a fazer partos aquáticos, mas não sei como têm sido os desfechos da maioria desses partos. Já há alguns anos que tem vindo a ser divulgado nos meios de comunicação a possibilidade do parto natural em algumas instituições públicas e privadas, mas de um modo geral, depois na prática não é isso que acontece. Os profissionais de saúde na área da obstetrícia ainda não estão preparados de forma académica nem emocional para aceitarem o papel de serem observadores, guardiães do parto e apenas intervirem quando é, de facto, realmente necessário.
Já várias mulheres portuguesas vêem a Gravidez e o Nascimento como processos naturais, sentem-se empoderadas e questionam-se sobre os procedimentos médicos realizados nos hospitais. Mas é necessário que se dê uma mudança de mentalidade por parte dos profissionais de saúde, com uma abordagem mais humilde, sem preconceitos e aceitação de que a parturiente não precisa de (regra geral) ser tratada, mas sim acompanhada e respeitada no seu processo de parto. Sonho com o dia em que haverá "casas de parto" no meu país, locais onde as mulheres possam parir os seus filhos num ambiente respeitador, tanto da fisiologia como da espiritualidade do Nascimento. "Casas de Parto" onde os conhecimentos ancestrais sobre Gravidez e Parto sejam aliados da medicina obstétrica moderna, porque tudo seria mais fácil se pudessemos ter o melhor dos 2 mundos.
O meu nome é Maria João, sou portuguesa e autora do blog Rituais Maternos. Bióloga de formação (e vocação), acredito no poder da Mãe Natureza, no Instinto e na Energia Feminina. Mãe a tempo inteiro de um menino que nasceu de parto normal hospitalar, muito intervencionado. Escrevo para informar, empoderar e ajudar outras Mulheres, mas o que mais gosto é de aprender com as partilhas de outras Mães, porque a Maternidade é um processo de constante aprendizagem. :-)