segunda-feira, 25 de março de 2013

Violência obstétrica por todos os lados! Como denunciar

"Estamos em um tsunami de informações sobre violência obstétrica e parto humanizado, nas mídias sociais, e em parte da grande imprensa." Comenta Profa. Dra. Simone Diniz, do Grupo de Pesquisa do CNPq Gênero, Maternidade e Saúde da FSP/USP, sobre a quantidade de mulheres que estão desejando promover o debate sobre suas experiências com o parto e nascimento dos filhos.

Contamos com a força e coragem de centenas de mães que estão muito bem dispostas a escancarar suas dores e incertezas, politizá-las, e buscar justiça. Elas nos revelam uma perspectiva muito importante para aprendermos sobre como podemos melhorar a atenção à saúde, o acolhimento das pacientes e familiares.

Quando denunciamos a violência obstétrica, estamos avaliando a qualidade da assistência que é prestada para os dois grandes grupos populacionais: as mulheres atendidas no SUS e as consumidoras dos planos de saúde.

São estas duas as condições que acabam por determinar seus dois tipos de parto: a cesárea para o plano, maior parte delas agendadas; e o parto normal completamente inadequado para favorecer a experiência das mulheres: com manipulação excessiva, em posição litotômica, e sem acompanhante (nesse setor, a taxa de cumprimento da Lei do Acompanhante está em somente 36%, cresceu apenas 20% em seis anos) - a principal medida de conforto e segurança das mulheres contra a violência obstétrica.

A reportagem de Andrea Dip para a Pública - Agência de Jornalismo Investigativo, Na hora de fazer não gritou, foi publicada hoje cedinho, e à tarde já havia superado a marca dos cinco mil compartilhamentos.

Acesse Na hora de fazer não gritou

Há nove anos, Andrea pariu seu filho, em São Paulo-SP, e foi desrespeitada pela equipe assistencial. Hoje, nos emociona com sua reportagem sobre Violência Obstétrica e a qualidade da assistência obstétrica no Brasil, e também nos honra com sua força: "o movimento ganhou mais uma militante", ela escreveu em e-mail pessoal.

Enquanto isso, no importante e maravilhoso Eu quero parto normal (aqui!), Marília Mercer, doula e companheira de ativismo em Londrina-PR, publica seu depoimento de um parto acompanhado na sexta-feira, em nossa maternidade municipal.

Este é um serviço público de saúde, que atende partos de baixo risco, e constitui em campo de estágio e internato para os estudantes de Medicina e Enfermagem da UEL. Tem histórico de praticar pouquíssimas episiotomias, confira na entrevista gravada em 2012, para a Rádio UEL, aqui, ou no post então intitulado A Violência Invisívelaqui.

Mas Marília Mercer viu uma realidade completamente diversa daquela gravada há um ano. E também não deixou a violência ficar invisibilizada. A realização de uma episiotomia em multípara, sem qualquer respaldo clínico, sem o consentimento da mulher, é lesão corporal grave. Por três dias, ela me disse que queria denunciar, e então, em mais uma magia da vida, Ligia Moreiras Sena resolveu organizar a compilação das informações que ela tinha obtido em junho de 2012, mas que estavam lá no cantinho do Cientista Que Virou Mãe. Ei-la.

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Por Ligia Moreiras Sena, na Fanpage Cientista Que Virou Mãe

Essas são orientações fornecidas pela Secretaria de Direitos Humanos e pela Secretaria de Políticas para Mulheres da Presidência da República. 
Como denunciar?
A orientação é a seguinte: a violência no parto enquadra-se como violência contra a mulher e, portanto, não entra como "ofensa aos direitos humanos", já que temos uma lei específica para violência contra a mulher no Brasil. Se fosse violência contra o nascituro, seria possível denunciar via Secretaria de Direitos Humanos, mas como a denúncia é contra a mulher, é necessário acionar o serviço 180, da Secretaria de Política para Mulheres. Ainda assim, a atendente fez questão de enfatizar qual seria o procedimento: primeiro, registrar um boletim de ocorrência. Segundo, entrar em contato com o Ministério da Saúde (diretamente ou via Secretarias) e denunciar, tendo em mãos o nome do profissional de saúde (seja médico ou enfermeiro) e seu registro profissional. São dois processos diferentes e o profissional será chamado em ambos os casos para prestar esclarecimentos. Nessa etapa, pode ser ou não solicitado um advogado, que pode ser um defensor público. Orientação da atendente: somente como última etapa, acionar o CRM ou o COFEN. Após essas orientações, pediu que eu ligasse no 180.
Orientação do serviço 180: fazer um boletim de ocorrência na delegacia mais próxima da sua residência, não precisa ser delegacia da mulher. É preciso o nome do profissional, o local de trabalho e todas as informações que a mulher conseguir coletar. Na sequência, denunciar à unidade do Ministério da Saúde mais próxima, com as mesmas informações sobre o profissional.
Nesse serviço 180, a atendente afirmou que a abertura de uma denúncia no CRM ou COFEN pode ocorrer paralelamente, mas que por se tratar de violência contra a mulher, esse caminho de denúncia via B.O. e Ministério da Saúde é bastante indicado, porque o profissional seria implicado criminalmente, além de profissionalmente.
E que, por cair na área de violência contra a mulher, outra pessoa que não a vítima pode fazer a denúncia, em função da alteração recente que houve na legislação.
A atendente reforçou o fato de que, em todas essas etapas, a mulher pode – e deve – ir ligando para o 180 para receber outras informações, apoio, encaminhamento para centros de referência e demais orientações para levar a cabo a denúncia. Se precisar da defensoria pública, sugeriu entrar em contato novamente com o 180 que eles indicam telefone e endereço.
IMPORTANTE!
A indicação é fazer um boletim de ocorrência dando nomes aos bois (fui xingada, fui humilhada, me amarrou, me bateu, gritou comigo, me ameaçou, impediu meu acompanhante de entrar - é lei!, e tudo mais), não usando o tempo VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA, que ainda não é conhecido.
Ligia Moreiras Sena
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Faz pouco mais de um ano quando eu percebia o quanto era difícil, para as pessoas em geral, associar os maus-tratos no parto à violação dos direitos da mulheres. Hoje estou feliz por estar mais otimista: o manto da invisibilidade está caindo, e vai continuar caindo cada vez mais. 

A violência obstétrica está por todos os lados: as mulheres estão denunciando massivamente. E elas choram quando nos contam suas histórias, mesmo que uma década tenha se passado. E nós queremos aumentar suas chances de obter informação sobre o modelo obstétrico que defendemos, porque sabemos que é mais seguro para a saúde da mãe e do bebê, dentro do qual parimos e gostamos, muito.

Gostamos da ética, da estética, dos cheiros e dos sabores e das dores de um parto fisiológico seguro, favorecido, respeitado, bem acolhido e monitorado.

Hoje, vejo que temos como o mais urgente desafio a formalização jurídica de tal conceito: Violência Obstétrica. Para facilitar o acesso de TODAS as mulheres à denúncia e apreciação da assistência recebida. Para que haja regulamentação também por parte dos Conselhos profissionais, da ANVISA, das empresas hospitalares e operadoras de planos de saúde. Para que o Ministério da Saúde perceba a importância de estabelecer o monitoramento de todas as intervenções no parto: rotura de bolsa, episiotomia, litotomia, kristeller, tudo o mais. Para que implementem protocolo para formulários de qualidade preenchidos pelas mulheres e seus acompanhantes de parto.

Por Carla Raiter, na Fanpage Projeto 1:4

Muitas ações já despontam como estratégias, como Carla Raiter publicou em seu Projeto 1:4, ou a Cientista Que Virou Mãe, e a advogada Gabi Sallit em sua jornada ao lado de Ana Paula Garcia, a partir da qual publicou a Campanha Tenha Seu Pronturário.

Percebendo, hoje, que a violência obstétrica está por todos os lados, pergunto: quais são os principais desafios colocados para os nossos processos individuais contra a violência obstétrica? Como podemos agir para ampliar a efetividade dos direitos para um número cada vez maior de mulheres? Como podemos burocratizar (sim, ela é necessária, e requer organização, planejamento, advocacy) o poderoso Mapa da Violência?

Definição de violência obstétrica estabelecida na Ley Orgánica sobre el 
Derecho de las Mujeres a una Vida Libre de Violencia (Venezuela, 2007) 

2 comentários:

  1. A questão em minha opinião não se reduza Parto Normal X Cirurgia Cesariana, mas, assistência a gestante que tem como culminância o nascimento da criança (evento do parto)!
    Já participei de alguns debates em que profissionais de saúde dizem NÃO TEREM REGISTRO de violência obstétrica!... Então me perguntei: CADÊ OS REGISTROS? Onde está registrado quantitativamente e qualitativamente de forma palpável e concreta o que nós "ativistas" sentimos e vemos todos os dias??? Falha nossa.

    Esse deve ser um pilar fundamental desse processo de mudança, pois, “CONTRA FATOS NÃO EXISTEM ARGUMENTOS”!

    Muito se fala no protagonismo materno na construção da mudança obstétrica do Brasil e do Mundo... Concordo.

    Porém, como não parecer uma LOUCA (comunista do parto, ativista, radical, modista) se não há dados CONCRETOS que demonstrem que PROFISSIONAIS envolvidos na ASSISTENCIA à gestação (e parto) NÃO CONHECEM, nem RECONHECEM a mulher/paciente como um agente ativo e CO-REPONSÁVEL dessa ação assistencial?

    Nós que escolhemos gestar e parir vemos e ouvimos falar sobre profissionais de assistência obstétrica que mentem por temerem correr "riscos", e/ou por serem convenientes aos seus próprios interesses que dão indicativos de que não respeitam, nem respeitarão o PROTAGONISMO materno, já nas consultas de pré-natal... Mas quantas de nós temos como PROVAR isso? Quantas de nós até mesmo não nos questionamos em algum momento se não estávamos exagerando ou imaginando coisas? Como uma mulher poderá justificar (e a sociedade cobra isso dela) a troca de GO duas, três vezes e/ou na véspera do parto sem parecer uma IRRESPONSÁVEL!?

    Protagonismo materno que inicia com uma gestação consciente e responsável, para mim, é fundamental e básico. É uma obrigação da mulher que opta (ou não) por ser mãe. Contudo, é preciso nos municiarmos de DADOS CONCRETOS devidamente estudados e registrados para que possamos nos posicionar ativamente sem sermos consideradas CORAJOSAS, LOUCAS E/OU IRRESPONSÁVEIS que surtaram por causa dos hormônios, ou que estão "querendo aparecer" seguindo “a moda da artista rica".

    As evidências científicas tem que estar acessíveis. É preciso formalizar registros de violência obstétrica, relatando, denunciando, catalogando e divulgando esses fatos, para PROVAR. Para que possamos questionar o que está institucionalizado no cotidiano obstétrico é preciso que a REGRA DO SISTEMA não apareça como uma EXCESSÃO DESTACADA pelo “radicalismo cego”. É preciso dar “cara e corpo” aos números estáticos da OMS e/ou do Ministério da Saúde, nomes, relatos pessoais, a investigação de fatos, para que haja uma pessoalidade, uma identificação e posterior reconhecimento do fenômeno.

    Mulheres gestantes já estão cansadas, fragilizadas, ansiosas e temerosas SUFICIETEMENTE para ainda terem que PROVAR suas escolhas de forma segura ao ponto de promover credibilidade na sociedade! Infelizmente, é necessário REGISTROS (gravados se forem o caso) do assédio sofrido já no pré-natal e no parto, provas de que a "ASSISTÊNCIA" prestada não RECONHECEU o protagonismo materno, que não foram fornecidas informações fidedignas, baseadas em EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS e que não houve RESPEITO à CO-RESPONSABILIDADE médico/paciente! Enquanto não for PROVADO de forma sistemática a VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA (desde à assistência pré-natal ao Pós-parto) o PROTAGONISMO MATERNO será sinônimo para sociedade de ROMPIMENTO COM A RAZÃO.

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  2. Olá vocês podem me dizer quanto tempo temos para denunciar? minha filha já tem 3 anos e meio mas gostaria de denunciar a violência que sofri

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